quarta-feira, 29 de maio de 2019

A Catedral de Lamego. Séculos XII a XX. Anísio Sousa Saraiva. «O domínio cristão da cidade permitiu que as suas estruturas eclesiásticas se reactivassem e a igreja conhecesse um verdadeiro florescimento…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Espaço. Poder. Memória
Construir e Organizar
«(…) Para melhor se compreender a história da diocese de Lamego, inserida primeiro no reino suevo, depois no visigodo, em seguida no Condado de Coimbra e, finalmente, no Condado Portucalense e no emergente reino português, forçoso é recuar até ao mais antigo passado de Lamego como sede de bispado. Foi ainda durante o Império Romano que a religião cristã foi introduzida na Península Ibérica e se começaram a organizar, neste extremo ocidental da Europa, as primeiras comunidades de seguidores de Cristo (sobre os mais recuados tempos do cristianismo na província da Lusitânia, onde se integrava Lamego) assim também sucedeu na região de Lamego, onde sabemos que a romanização se fizera fortemente sentir. O desenvolvimento do cristianismo na zona levou a que Lamego se tornasse sede episcopal no século VI, durante o domínio suevo da parte norte do território futuramente português, e no tempo da acção missionadora levada a cabo por S. Martinho de Dume, a partir do mosteiro, próximo de Braga, ao qual o seu nome ficou para sempre associado. É nas actas do II Concílio realizado nesta cidade, em 572, que surge a mais antiga subscrição de um bispo de Lamego, Sardinário. Existem referências a anteriores prelados, que relevam provavelmente apenas do domínio da lenda ou, pelo menos, não têm qualquer comprovação documental; por isso, devemos considerar Sardinário como o primeiro bispo de Lamego de que há certeza, de acordo com as investigações mais seguras e recentes acerca desta difícil temática5.
Difícil, essencialmente, porque as fontes ao dispor dos investigadores são poucas e lacunares. Até ao final do século VII, provêm quase sempre, e unicamente, das subscrições episcopais conservadas nas actas dos concílios realizados pela Igreja hispânica; por esta via conhecemos oito prelados, de 572 a 693 (vid. Quadro I), cujos nomes, quase todos germânicos, formam uma sequência a que não podemos ter a certeza de não faltar alguém. É possível que Fiôncio tenha tido um ou mais sucessores, antes da queda da cidade em poder dos muçulmanos, poucos anos volvidos sobre a travessia do estreito de Gibraltar pelas tropas de Tarique, em 711. O seu rápido avanço em direcção ao norte peninsular provocou a desorganização das estruturas do reino visigodo, não apenas civis, mas também eclesiásticas; não admira, pois, que deixe de haver menções a prelados, tanto em Lamego como em grande parte dos bispados hispânicos, sobretudo à medida que iam ficando sob domínio muçulmano (sobre a forma como, rapidamente, as tropas árabes dominaram o território peninsular). À semelhança de outras dioceses, Lamego talvez tenha mantido durante a ocupação sarracena bispos não residentes, que se acolhiam mais a norte, em terras cristãs, como indiciam as notícias das décadas iniciais do século X (que cita um diploma de Ordonho II de 915, referindo a presença dos bispos de Lamego e Tui no norte da Galiza). Mas os seus nomes permanecem-nos desconhecidos, só voltando a haver referências a bispos na diocese depois de a cidade ter regressado a mãos cristãs, no último quartel do século IX, graças às acções militares do rei Afonso III (866-910), que permitiram devolver aos cristãos vastas zonas, desde o Minho ao Mondego (relativamente à conjuntura vivida no tempo de Afonso III e às suas conquistas). O domínio cristão da cidade permitiu que as suas estruturas eclesiásticas se reactivassem e a igreja conhecesse um verdadeiro florescimento, bem patente nos fragmentos de importantes códices dessa época que ainda hoje se conservam  (arciprestado de Vila Nova de Foz Côa, diocese de Lamego: breve ensaio sobre o território e as comunidades eclesiais)». In Anísio Sousa Saraiva, Coordenação, Espaço, Poder, Memória, Faculdade de Teologia, Centro de Estudos de História Religiosa, Universidade Católica Portuguesa, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2013, ISBN 978-972-836-157-0.

Cortesia de CEHR/UCP/FCT/JDACT