«(…)
Deuses
Desterrados
«Os
deuses desterrados.
Os irmãos
de Saturno,
Às vezes,
no crepúsculo
Vêm
espreitar a vida.
Vêm então
ter connosco
Remorsos e
saudades
E
sentimentos falsos.
É a presença
deles,
Deuses que
o destroná-los
Tornou
espirituais,
De matéria
vencida,
Longínqua
e inactiva.
Vêm,
inúteis forças,
Solicitar
em nós
As dores e
os cansaços,
Que nos
tiram da mão,
Como a um
bêbedo mole,
A taça da
alegria.
Vêm
fazer-nos crer,
Despeitadas
ruínas
De
primitivas forças,
Que o
mundo é mais extenso
Que o que
se vê e palpa,
Para que
ofendamos
A Júpiter
e a Apolo.
Assim até
à beira
Terrena do
horizonte
Hiperion
no crepúsculo
Vem chorar
pelo carro
Que Apolo
lhe roubou.
E o poente
tem cores
Da dor dom
deus longínquo,
E ouve-se
soluçar
Para além
das esferas...
Assim
choram os deuses».
Coroai-me de Rosas
Coroai-me
de rosas,
Coroai-me
em verdade,
De rosas
Rosas que
se apagam
Em fronte
a apagar-se
Tão cedo!
Coroai-me
de rosas
E de
folhas breves.
E basta».
In
Fernando Pessoa, Obra Completa de Ricardo Reis, Tinta da China, 2016,
ISBN 978-989-671-345-4.