Cortesia
de wikipedia e jdact
Resumo
«O artigo aborda um
caso concreto da limitação da liberdade de impressa no Estado Novo português: o
processo judicial contra a Antologia
de poesia portuguesa erótica e satírica publicada em 1966
pela poetisa Natália Correia (1923-/-1993)».
«Nos seus contornos
gerais, o modo de funcionamento e os efeitos da censura no período do Estado
Novo português são bem conhecidos, o mesmo acontecendo com a sua repercussão
sobre a criação literária. Apesar disso, continuam a faltar trabalhos aprofundados
sobre casos concretos. É um pequeno contributo nesse sentido que este artigo
procura dar, abordando o processo Judicial (depositado na Torre do Tombo:
Tribunal de Comarca de Lisboa, 4.º Juízo Criminal, Processo n.º 90 / 1966) que
teve por base a Antologia de poesia
portuguesa erótica e satírica (Correia, 1966), no qual
figuraram como réus Natália Correia, a organizadora, Fernando Ribeiro Melo (1941-/-1992),
o editor, e alguns dos poetas com textos incluídos no volume e que estavam
vivos à época. Com efeito, há neste caso uma série de elementos ignorados e que
vale a pena revelar e tomar como motivo de reflexão, numa época em que quase
todos os protagonistas já desapareceram, e, em muitos casos, foram esquecidos,
e em que outras formas de censura e de vigilância do pensamento se vão impondo.
O primeiro aspecto
menos conhecido tem a ver com a duração do processo: sete anos e meio, o tempo
que separa a primeira peça, datada de 17-I-1966, da última, de 27-VI-1973.
Aquela é o despacho que manda instaurar procedimento criminal contra os
responsáveis da Antologia,
com o argumento de que se trata (…) em cada um dos seus escritos,
especialmente dos inéditos da autora e de outros que ela divulgou, e no seu
conjunto [de] um caso de evidente ultraje à moral pública. (f. 2). O último
elemento é o Auto de Inutilização [pelo fogo] do Livro Denominado Antologia de Poesia
Portuguesa Erótica e Satírica (f. 491), em que foi oficiante o juiz
corregedor João Sá Alves Cortez, que chegaria a juiz do Supremo Tribunal de
Justiça em Setembro de 1984, e o adjunto do Procurador da República Carlos
Manuel Costa Saraiva. Com a referência a este aspecto não quero sugerir apenas
que a lentidão da máquina judicial não é exclusiva da democracia; quero
sobretudo pôr em evidência uma das peripécias mais interessantes do processo, a
existência de dois inquéritos e de duas acusações, devido a um erro na primeira
fase, detectado e declarado pelo ajudante
(termo da época) do Procurador da República no 4.º Juízo Criminal de Lisboa.
O segundo aspecto
menos conhecido tem a ver com os elementos concretos da acusação. Depois de uma
fase de interrogatório na subdirectoria da Polícia Judiciária de Lisboa, que começa
a 18-I-1966 com Natália Correia, a acusação será feita a 9-VII-1966, vindo
assinada por Fernando Lopes Melo. No seu ponto 4, lê-se o seguinte:
A
publicação do referido livro é uma empresa dolosa de todos os arguidos, principalmente da Natália Correia e do Bento
Melo, com mero intuito de explorar a desmoralização (sobretudo da juventude)
sob o disfarce de apologia da liberdade, boa-fé, consciência (sic) límpida,
cultura, obra de erudição e de civismo (f. 59v)
Mais à frente, no ponto 12, acrescenta-se:
Os
escritos e os desenhos do mencionado livro que, segundo o consenso da
generalidade das pessoas, são pornográficos, torpes, obscenos e de linguagem
despejada conscientemente ofenderam publicamente, e podem continuar a ofender,
o pudor geral, a decência pública, os bons costumes, o pudor sexual, a
moralidade pública, // revelando até um propósito ultrajante. (f 60v-61)»
In
Francisco José Jesus Topa, A Sádica Nostalgia das fogueiras do Santo Ofício: o
processo judicial contra a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica,
Revista Historiae, Universidade do Porto, Biblioteca
Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, Espólio de Natália Correia, Torre
do Tombo, Tribunal de Comarca de Lisboa, 4.º Juízo Criminal, 2015.
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