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de wikipedia e jdact
Istambul, Sábado, 5 de Setembro. 22
horas
«(…) Tinha de ser uma comunicação
pela imprensa. A notícia ia percorrer os círculos financeiros internacionais
como uma crise financeira, era essencial que o impacto da morte de Sam Roffe
fosse reduzido ao mínimo. Cabia a Rhys conseguir isso. Rhys Williams conhecera
Sam Roffe havia nove anos. Rhys tinha então, vinte e cinco anos e era gerente
de vendas de uma pequena firma de produtos farmacêuticos. Era brilhante e
gostava de inovar, tendo feito a firma se expandir. Com isso, a sua reputação
havia crescido. Recebera uma proposta para trabalhar na Roffe and Sons, e, logo
depois de recusá-la, soube que Sam Roffe comprara a companhia em que ele
trabalhava e mandara chamá-lo. Ainda se lembrava do poder dominador de Sam
Roffe naquele primeiro encontro. O seu lugar é aqui na Roffe and Sons,
havia-lhe dito Sam Roffe. Foi por isso que comprei aquela companhia trôpega em
que você trabalhava. Rhys sentiu-se lisonjeado e irritado ao mesmo tempo. E se
eu não quiser continuar? Sam Roffe sorrira e respondera, cheio de confiança: nós
temos uma coisa em comum, Rhys. Somos ambiciosos. Queremos ser donos do mundo.
E eu vou mostrar-lhe como se consegue isso. Essas palavras foram mágicas.
Representavam a promessa de um banquete para a fome que ardia no íntimo de
Rhys. De facto, ele sabia alguma coisa que Sam Roffe desconhecia. Rhys Williams
não existia. Era um mito criado pela descrença, pela pobreza e pelo desespero. Nasceu
perto das jazidas de carvão de Gwent e Carmarthen, nos retalhos vales vermelhos
do País de Gales, onde camadas de arenito e depósitos de calcário e carvão em
forma de pires rasgavam a terra verde. Cresceu numa terra fabulosa, onde os próprios
nomes exalavam poesias: Penderyn, Brecon, Pen-y Fan, Glyncorrwg e Maesteg.
Era uma terra de lenda, onde o
carvão que se achava no fundo da terra se formara duzentos e oitenta milhões de
anos antes, onde a paisagem fora, em outros tempos, coberta de tantas árvores
que um esquilo poderia viajar do Farol de Brecon até ao mar sem pousar as patas
no chão. Mas a Revolução Industrial chegou e as belas árvores verdes foram
abatidas pelos produtores de carvão vegetal para alimentar as fornalhas
insaciáveis da industria do ferro. O garoto cresceu conhecendo heróis de outro
tempo e de outro mundo, como Robert Farrer, queimado na fogueira pela Igreja
Católica porque não quisera fazer votos de celibato e abandonar a mulher; como
o rei Hywel, o Bom, que levara a lei ao País de Gales no século X; e como o
destemido guerreiro Brychen, que gerara doze filhos e vinte e quatro filhas e
resistira com bravura a todos os ataques ao seu reino. Era uma terra de histórias
gloriosas aquela em que o garoto cresceu Mas nem tudo era glória. Os
antepassados de Rhys haviam sido mineiros, e o jovem costumava ouvir os casos
de sofrimentos que o seu pai e os seus tios contavam. Lembravam os terríveis tempos
em que não havia trabalho, em que as ricas jazidas de carvão de Gwent e Carmarthen
foram fechadas em consequência de uma amarga luta entre as companhias e os
mineiros e em que estes foram reprimidos por uma pobreza que corroeu a ambição
e o orgulho, solapando o espírito e a força dos homens até fazê-los capitular.
Quando
as minas foram reabertas, houve outra espécie de inferno. Quase toda a família
de Rhys tinha morrido nas minas. Alguns haviam morrido nas entranhas da terra,
outros consumiram, tossindo, os pulmões enegrecidos. Poucos tinham passado dos
trinta anos de idade. Rhys costumava ouvir o pai e os tios falarem do passado,
do desmoronamento, dos mineiros invalidados e das greves. Falaram dos bons e
dos maus tempos, e o garoto não via qualquer diferença entre uns e outros.
Todos eram maus. A ideia de passar a vida dentro da escuridão da terra o apavorava,
e ele sabia que tinha de fugir. Saiu de casa aos doze anos. Abandonou os vales
do carvão e foi para a costa, para a baía de Sully Ranny e para Lavernock, para
onde corriam os turistas ricos. Foi mensageiro, carregador, ajudava as senhoras
a descerem os caminhos escarpados para a praia, carregando cestas de
piquenique, dirigiu um carro de póneis em Penarth e trabalhou no parque de
diversões de Whitmore Bay. Estava apenas a algumas horas de casa, mas a
distância já era incomensurável. A gente do lugar onde ele estava parecia
pertencer a outro mundo. Rhys Williams nunca imaginara que as pessoas pudessem
ser tão belas ou usar roupas tão magníficas. Toda a mulher lhe parecia uma
rainha, e os homens eram elegantes e esplêndidos». In Sydney Sheldon, A Herdeira, Edições
ASA, 2018, ISBN 978.989-234-299-3.
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