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Wojtyla. 13 de Maio de 1981
«(…) Era o momento, se o papa
passasse dali, não conseguiria concretizar a encomenda. Escapaste uma vez,
pensa a lembrar o passado recente. Hoje és meu. Esfria a mente o mais possível
e tira a arma do bolso. O gatilho é apertado uma, duas, três, quatro vezes, cinco,
seis vezes, até que foi impedido de continuar pelos corajosos populares que o circundavam.
Desarmaram-no num ápice aplicando força bruta e muita sorte teve em não ser
linchado ali mesmo. As forças de segurança acercaram-se dele e detiveram-no, enquanto
o carro pontifício acelerava a toda a velocidade, com o papa ferido amparado pelos
assistentes e seguranças, em direcção aos muros protectores do Estado da Santa Sé.
Ao revistarem o jovem de 23 anos de nome Mehmet, encontraram um bilhete com uma
frase escrita em turco. Mais tarde, alguém traduziria os dizeres como: mato o
Papa como forma de protesto contra o imperialismo da União Soviética e dos
Estados Unidos da América e contra o genocídio que está a ser levado a cabo em
El Salvador e no Afeganistão.
Algemado e arrastado pelas forças
policiais sem qualquer respeito, pagante dos seus próprios agravos mentais,
Mehmet gritava a viva voz na sua língua materna, facto que com certeza
contribuiu para que as pessoas não atentassem contra ele, antes se limitassem a
olhá-lo incrédulos, desgostosos, impotentes e com o coração cheio de mágoa e
preocupação pelo Santo Padre. A execução da encomenda resultou num detido, o
pobre e nada arrependido Mehmet, e três feridos. Dois deles ligeiros,
espectadores tranquilos sem culpa nenhuma das ideias votivas do turco, assim
como a terceira delas, o próprio papa, recebeu quatro balas e cujo corpo não
foi feito para receber nenhuma. Abdómen, intestino, braço e mão do lado
esquerdo, marcas suficientes para abalar uma vida inteira. Não tenho nenhum
respeito pela vida humana, era o que ele gritava, sorrindo satisfeito pela
tarefa cumprida. Eram cinco e um quarto da tarde. Sessenta e quatro anos antes,
no mesmo dia e hora, a dois mil quilómetros de Roma, a Virgem aparecia pela
primeira vez aos três pastorinhos da Cova da Iria, em Portugal.
Jerusalém
A vista sobre a cidade santa é
assombrosa a partir do sétimo andar do Hotel Rei David, sito na rua com o mesmo
nome. Vê-se a abóbada da Igreja do Santo Sepulcro no Bairro Cristão e Arménio,
onde se crê que esteve sepultado o próprio Cristo, há mais de dois mil anos, o
mesmo que ressuscitou ao terceiro dia. Sobressai nos céus a dourada Cúpula da
Rocha de Haram esh-Sharif, no bairro muçulmano, que protege das intempéries a
rocha sagrada onde, supõe-se, Deus pediu a Abraão que sacrificasse Isaac, seu
filho. Um pouco mais à direita descortina-se a cúpula mais pequena da mesquita
de El-Aqsa, na qual hoje ao meio-dia irão reunir-se inúmeros fiéis, visto que é
sexta-feira. E vê-se ainda o bairro judaico, mais ao fundo, com o arco suspenso
da antiga Sinagoga de Hurva, único elemento que restou do imenso edifício
depois das batalhas de 1948 que opuseram judeus a árabes.
O homem que observa a cidade à luz da manhã, debruçado sobre a
janela, está muito preocupado. Aterrou em Ben Gurion, em Telavive, a meio da
tarde do dia anterior e logo se dirigiu ao seu objectivo, antes mesmo de ir ao
hotel. Entrou na cidade antiga pela movimentada Porta de Damasco, anexa à
grande muralha que envolve a parte secular, mandada erguer por Solimão, o Magnífico,
e seguiu em frente pela El-wad acompanhando a confluência da multidão. Na mão
levava uma mala preta de executivo. Mais adiante, virou à direita, entrando na
Via Sacra, contrariando o fluxo de turistas que cumpriam a terceira e quarta
estações da cruz, respectivamente aquela onde Jesus, carregando-a sobre as
costas, caiu e aquela na qual viu a mãe. Uma homenagem ao Filho de Deus que
morreu para salvar a humanidade de si própria, segundo reza a lenda. Os
turistas ocidentais deixavam-se enlevar pelo misticismo, olhando em redor, absorvendo
a energia, recordando a história imposta aos seus ouvidos desde o nascimento e
comprovando-a in loco, numa escala bem mais pequena do que a que tinham
imaginado. Foi essa a sensação que ele teve aquando da sua primeira visita à cidade,
há muitos anos. As ruas estreitas, as casas pequenas, contrastam com a magnificência
que se exige quando se menciona Cristo. É a realidade de tudo o que foi ou pode
ter sido, sem que se tire a importância devida aos acontecimentos históricos importantes
que o local presenciou ou se subestime a beleza pictórica do lugar. Simplesmente
quer evidenciar-se a humildade e a fé, elementos comuns aos três grandes profetas
que deram origem às três grandes religiões monoteístas, sem desprimor para as outras.
A simplicidade é patente por todo o lado, muito mais do que em qualquer outro lugar
santo, ainda que filial deste». In Luís Miguel Rocha, Bala Santa, Cavalo de
Ferro Editores, Paralelo 40, Lisboa, 2007, ISBN
978-989-813-400-4.
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