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«(…) Aquilo deixou Filipe melancólico.
Seu novo astrólogo recusara-se a atendê-lo durante semanas, alegando estar
febril, mas Filipe soubera que ele gozava de boa saúde, o que significava que
devia ter visto algum grande desastre nas estrelas e simplesmente receava
contar ao rei. Gaivotas gritavam sob as nuvens. Bem lá ao longe, no mar, uma
vela desbotada enfunava-se em direcção à Inglaterra, enquanto outro navio ancorava
ao largo das praias ocupadas pelos ingleses e, em pequenos barcos, transferia
homens para terra, a fim de aumentarem as fileiras inimigas. Filipe olhou para
trás, para a estrada, e viu um grupo de cerca de quarenta ou cinquenta cavaleiros
ingleses cavalgando em direcção à ponte. Ele fez o sinal-da-cruz, rezando para
que os cavaleiros fossem encurralados pelo seu ataque. Ele odiava os ingleses.
Odiava. O duque de Bourbon havia delegado a organização do assalto a sir
Geoffrey de Charny e Edouard Beaujeu, e isso era bom. O rei confiava em que os
dois seriam sensatos. Ele não duvidava de que pudessem tomar a torre, embora ainda
não soubesse do que aquilo adiantaria; mas achava que era melhor do que deixar
seus nobres mais afoitos usarem as lanças numa carga alucinada pela ponte, para
sofrerem uma derrota total nos pântanos. Ele sabia que nada lhes traria maior
prazer do que um ataque daqueles. Eles pensavam que a guerra era um jogo, e
cada derrota os deixava mais ansiosos por jogarem.
Tolos, pensou ele, e tornou a
fazer o sinal-da-cruz, perguntando-se que funesta profecia o astrólogo estava
escondendo dele. O que precisamos, pensou ele, é de um milagre. Algum grande
sinal de Deus. Então estremeceu, assustado, porque um timbaleiro acabara de
tocar o seu grande timbale. Uma trombeta soou. A música não pressagiava o avanço.
Eram, isso sim, os músicos que faziam o aquecimento, prontos para o ataque. Edouard
Beaujeu estava à direita, onde reunira mais de mil besteiros e outros tantos
soldados, e era evidente que ele queria atacar os ingleses por um flanco,
enquanto sir Geoffrey Charny e pelo menos quinhentos soldados atacavam montanha
abaixo, contra as trincheiras dos ingleses. Sir Geoffrey percorria as fileiras
mandando, em voz alta, que cavaleiros e soldados desmontassem. Eles obedeceram,
relutantes. Acreditavam que a essência da guerra era a carga da cavalaria, mas
sir Geoffrey sabia que cavalos de nada adiantavam contra uma torre de pedra protegida
por trincheiras, e por isso insistia em que lutassem a pé. Escudos e espadas,
gritou, nada de lanças. A pé! A pé! Sir Geoffrey aprendera as duras penas que
os cavalos eram lamentavelmente vulneráveis às flechas inglesas, enquanto que
homens a pé podiam avançar agachados, atrás de escudos compridos. Alguns dos
homens de berço nobre recusavam-se a desmontar, mas ele não lhes deu importância.
Um número ainda maior de soldados franceses apressava-se para participar da
carga. O pequeno grupo de cavaleiros ingleses tinha atravessado a ponte agora. Parecia
que pretendiam cavalgar pela estrada para desafiarem toda a linha de batalha
francesa, mas em vez disso detiveram seus cavalos e olharam para a horda
agrupada na crista do monte. O rei, observando-os, viu que eram comandados por
um grão-senhor. Ele sabia disso devido ao tamanho do pavilhão do homem,
enquanto que pelo menos uma dúzia dos outros cavaleiros levava as bandeiras
quadradas de galhardetes nas suas lanças. Um grupo rico, pensou ele, que valia
uma pequena fortuna em resgates. Ele esperava que cavalgassem até à torre e,
com isso, ficassem encurralados. O duque de Bourbon voltou para perto de Filipe
com o cavalo a trote. O duque vestia uma armadura que tinha sido raspada com
areia, vinagre e arame até ficar branca de tanto brilho. O elmo, ainda
pendurado no arção anterior da sela, tinha em cima penas tingidas de azul». In Bernard
Cornwell, O Herege, 2003, Editora Record, 2011, ISBN 978-850-106-867-5.
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