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«(…) Apenas um homem, dos seus
cinquenta anos, cabelos grisalhos e lisos, separados por uma risca ao lado,
pele encarniçada pelo sol e as têmporas reluzentes de suor, se encontrava
sentado numa cadeira, em frente de uma das tendas. Imobilizado pelo calor, parecia
dormitar. Quando nos dirigimos para a de Peter Ericson, Shimon Delam, saiu de
lá acompanhado por dois polícias. Mal me viu, avançou para mim com passos
rápidos. Fitámo-nos, olhos nos olhos, para nos analisarmos um ao outro, como
havíamos aprendido no exército, táctica que nos permitia adivinhar os pensamentos
secretos de outra pessoa. Continuava o mesmo: moreno, de feições finas, olhos
quase rasgados, baixo, anafado, mordiscando o seu eterno palito, que fazia as
vezes do cigarro. Na sua testa, estava desenhada a letra, J nun, que
representa a fidelidade, a modéstia e, na sua forma final, evoca a recompensa
prometida ao homem justo. Assim, nun é a letra da justiça. Estou contente por
te ver aqui, Ary, exclamou. Depois, voltou-se para Jane. Como está? Vai-se
andando..., respondeu ela. Shimon aproximou-se e murmurou-lhe: pensavas que
tinha partido para a Síria. Não, preferi ficar por cá. Voltando-se novamente
para mim, brindou-me com um sorriso. Estava visivelmente satisfeito. Estou
contente por ver que aceitaste, Ary. Mas..., protestei, eu ainda não disse
que... Sabes bem quanto precisamos de ti, atalhou Shimon. Foste brilhante, da
última vez... Não há ninguém como tu para recrutar ajudantes..., comentei, mas...
Só tu poderias ter resolvido aquele mistério, tal como agora. Se queres saber a
minha opinião, penso que se nos depara uma história de uma outra época, que só
um arqueólogo, um escriba, um... essénio, não é assim que se chamam?, que em
tempos foi soldado pode compreender.
Eu ainda não aceitei, Shimon. Por
isso mesmo insistiu ele mordiscando calmamente o seu palito estou aqui para te
convencer, de uma vez por todas. Sou todo ouvidos. Este caso... Antes de
continuar, Shimon voltou-se para Jane, que de imediato se afastou. Não, Jane,
pode ficar. Shimon fez nova pausa, tirou o palito da boca e esmagou-o no chão como
se fosse um cigarro. Não vou estar com grandes rodeios. Um homem foi
assassinado, um arqueólogo que procurava um tesouro, baseando-se num manuscrito
de Qumran. Ora esse tesouro pode ter pertencido aos essénios, não é verdade,
Ary? Enganas-te, intervim. Os essénios nada possuem, intitulam-se os pobres. Justamente,
continuou Shimon, com um sorriso sarcástico. Esse pequeno pecúlio seria muito
bem-vindo... Não vejo qual a relação..., repliquei, encolhendo os ombros. Eu
esclareço-te: nós estamos convencidos de que os essénios estão envolvidos neste
caso... Aquelas palavras fizeram-me estremecer. A quem te referes quando dizes nós,
Shimon? perguntei, em tom ríspido. Ao Shin Beth. Vocês têm conhecimento da
existência dos essénios? Claro que sim.
Não
devias falar desse assunto a ninguém, Shimon, murmurei, cerrando os maxilares. Raios,
Ary! Estamos a falar dos nossos serviços secretos! O que entra no Shin Beth... Nunca
sai de lá, rematei. No entanto, tu, e Jane estão a par, o que se torna perigoso
para nós. Parece-me que queres obrigar-me a lembrar-te de que fui eu quem te
salvou quando correste perigo, há dois anos. E que também fui eu quem te deixou
partir para as grutas sem te denunciar à polícia, quando mataste o rabi. Mas
por que razão vocês desconfiam da nossa comunidade? Então, Ary, pára um pouco
para raciocinar. Quem, além dos essénios, poderia ter cometido um assassínio
ritual nesta região? Quem poderia proceder a um sacrifício que, se bem
compreendi, os vossos textos dizem que só pode ser executado no dia do julgamento?
Não pude responder àquela pergunta e o rosto de Shimon iluminou-se». In
Eliette Abecassis, O Tesouro do Templo, 2001, Círculo de Leitores, ISBN
972-423-086-4, Editora Livros do Brasil, colecção Suores Frios, 2003, ISBN
978-972-382-671-5.
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