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de wikipedia e jdact
Istambul, Sábado, 5 de Setembro. 22
horas
«(…) Era aquele o seu mundo, e
não havia nada que Rhys não fosse capaz de fazer para entrar nele. Quando
completou catorze anos, tinha economizado dinheiro suficiente para comprar uma
passagem até Londres. Passou lá os três primeiros dias simplesmente andando
pela grande cidade, olhando para tudo e avidamente embebendo-se dos fantásticos
espectáculos, sons e cheiros. O seu primeiro emprego foi numa loja de tecidos.
Havia dois caixeiros, ambos seres superiores, e uma caixeira que fazia o
coração do jovem galês cantar sempre que a olhava. Os caixeiros tratavam Rhys
como ele devia ser tratado, isto é, como lixo. Era uma curiosidade. Vestia-se
com roupas esquisitíssimas, tinha maneiras abomináveis e falava com um sotaque
incompreensível. Não conseguiam sequer pronunciar-lhe o nome direito. A moça
teve pena dele. Chamava-se Gladys Simpkins e morava num pequeno apartamento em
Tooting com três outras moças. Um dia, ela permitiu que o rapaz a levasse até casa
depois do trabalho e convidou-o para entrar e tomar uma xícara de chá. O jovem
Rhys estava muito nervoso. Pensava que aquela ia ser a sua primeira experiência
sexual, mas quando passou o braço pelo corpo de Gladys, esta olhou muito séria
para ele por um momento e depois riu. Não vou dar-lhe nada disso, mas estou
disposta a dar-lhe um bom conselho. Se quiser ser alguma coisa, compre roupas
melhores, procure instruir-se mais um pouco e aprenda a ter boas maneiras. Olhou
o rosto jovem e apaixonado de Rhys, viu os seus profundos olhos azuis e disse
com voz suave: até que V. vá ficar um bocado fixe quando crescer... Se quiser
ser alguma coisa...
Neste momento o fictício Rhys
Williams nasceu. O verdadeiro Rhys Williams era um rapaz ignorante e sem
educação, sem meios, sem tradição, sem passado e sem futuro. Mas ele tinha
imaginação, inteligência e ardente ambição. Isso era o bastante. Começou a
imaginar do que queria conseguir, do que queria ser. Quando se olhava ao espelho,
não via o rapaz parvo e desajeitado, de sotaque estranho. A imagem reflectia uma
pessoa polida, delicada e bem-sucedida. Pouco a pouco, Rhys começou a responder
à imagem que trazia no espírito. Frequentava escolas nocturnas e passava os
fins-de-semana em galerias de arte. Rondava as bibliotecas públicas e ia ao
teatro, sentava-se nas galerias e reparando nas boas roupas dos homens sentados
nas plateias. Fazia refeições frugais para poder, uma vez por mês, ir a um bom
restaurante, onde imitava cuidadosamente as maneiras dos outros à mesa.
Observava, aprendia e não esquecia. Era como uma esponja que apagava o passado
e absorvia o futuro. Em menos de um ano, Rhys aprendeu o bastante para
compreender que Gladys Simpkins, a sua princesa, era uma mocinha cockney
vulgar, que estava abaixo do seu gosto. Deixou a loja de tecidos e foi
trabalhar numa farmácia, que fazia parte de uma grande rede. Tinha quase dezasseis
anos, mas parecia mais velho. Estava mais cheio de corpo e mais alto. As mulheres
estavam começando a prestar atenção na sua boa aparência morena de galês e a sua
conversa fluente e cheia de palavras lisonjeiras. Fazia muito sucesso na
farmácia, e havia freguesas que esperavam até que Rhys pudesse atendê-las.
Vestia-se bem e falava com correção. Mas, embora soubesse que já estava bem
longe de Gwent e Carmarthen, ainda não ficava satisfeito quando se olhava no
espelho. Tinha ainda uma longa jornada pela frente. Depois de dois anos, Rhys
passou a ser gerente da farmácia. O gerente distrital da rede lhe havia dito: isto
é apenas o começo, Williams. Continue a trabalhar assim e um dia você será o
superintendente de meia dúzia de casas. Rhys quase deu uma gargalhada.
Pensar que isso poderia ser
considerado o máximo da ambição de uma pessoa! Nunca havia deixado de estudar.
Estava fazendo cursos de administração de empresas, marketing e direito
comercial. Queria mais. Tinha os olhos voltados para o topo da escada e sabia
que ainda não chegara nem aos primeiros degraus. Teve a sua primeira oportunidade
de subir quando um vendedor de produtos farmacêuticos entrou um dia na farmácia
e viu Rhys cercado de mulheres, às quais induziu vários artigos de que elas não
tinham qualquer necessidade. V. está perdendo tempo aqui, rapaz, disse ele. Devia
estar trabalhando num campo maior. Em que está pensando?, perguntou Rhys. Vou
falar com o meu chefe a seu respeito.
Duas
semanas depois, Rhys estava trabalhando como vendedor de uma pequena firma de
medicamentos. Fazia parte de uma equipa de cinquenta vendedores, mas quando se
olhava no espelho, sabia que a verdade não era essa. A verdadeira competição
que tinha de enfrentar era consigo mesmo. Já estava se aproximando da sua imagem,
do tipo fictício que procurava criar. Um homem inteligente, culto, refinado e encantador.
O que ele tentava fazer era impossível. Qualquer pessoa sabia que era preciso
trazer essas qualidades do berço. Não podiam ser criadas. Mas Rhys conseguiu o
que queria. Tornou-se a imagem que havia elaborado. Viajou pelo interior, vendendo
produtos da firma, falando e escutando. Voltava a Londres cheio de sugestões
práticas e tratava imediatamente de ir subindo a escada. Três anos depois de
haver entrado na companhia, Rhys foi nomeado gerente-geral de vendas. Sob a sua
hábil orientação, a companhia começou a expandir-se. Quatro anos depois, Sam
Roffe entrou na vida de Rhys e percebeu a fome que o consumia. V. é como eu, disse
Sam. Nós queremos conquistar o mundo. E vou mostrar-lhe como fazê-lo. Sam Roffe
tinha sido um guia brilhante». In Sydney Sheldon, A Herdeira, Edições ASA, 2018,
ISBN 978.989-234-299-3.
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