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Conclave
26 de Agosto de 1978
«(…) Não
se encare isso como uma competição, mas um meio para se chegar a um fim; o
procedimento criado pelos homens para escolher o mais santo, o interlocutor de
Cristo com os fiéis na Terra. Por mais que pareça um pacto político, trata-se
de algo espiritual feito de forma política, desde Pedro, apóstolo de Cristo,
sepultado algures debaixo desse país sacratíssimo. Os restantes dezanove votos
foram dispersos, alguns para os italianos Bertoli e Felici, para o polaco Karol
Wojtyla, para o argentino Pironio, o paquistanês Cordeiro e o austríaco Franz
Koenig. A luta, se assim se pode dizer sem ferir susceptibilidades, entenda-se
como o significado mais puro do termo, ocorreu entre Siri e Luciani, um com
vontade de exercer, outro com vontade de fugir antes do término do Conclave.
Este último, antes de entrar, dissera aos assistentes, familiares e amigos que,
se fosse escolhido, probabilidade muito remota para ele e para todos: basta
consultar os livros de apostas para ver que ninguém sabia da existência de um
tal cardeal Albino Luciani, de Veneza, diria Peço desculpas, mas recuso.
Tratava-se daquele a quem Paulo VI, de visita à Rainha do Adriático, ofertara
uma estola e a colocara nos seus ombros, à frente de todos, coisa pouco usual
em Sua Santidade, nessa especificamente, que fique bem claro, e que tinha
interpretações mais profundas, como o reconhecimento da lealdade do cardeal
veneziano, nomeadamente na sua defesa (mais por obrigação que por aprazimento)
à Encíclica Humanae Vitae, uma das mais infelizes da história. Coisas
antigas que não interessam aqui; ou interessam, já que Paulo VI é um dos principais
responsáveis por Albino Luciani ter-se ajoelhado para rezar com medo de ser
eleito pelos seus pares e pelo Espírito Santo. Uma coisa é falar quando algo é
mera suposição; outra é quando se pode tomar realidade, como era o caso. Votem
em Siri, pedia ele ao Criador. Tenho tanto para fazer em Veneza! Se
não fosse por Paulo VI ele não estaria ali. Foi quem o fez cardeal. Mas, se
pensasse assim, se João XXIII não o tivesse nomeado bispo, também não estaria
ali; assim como não estaria se sua mãe, Bortola, não o tivesse dado à luz em
Canale d'Agordo, no dia dezassete de Outubro de mil novecentos e doze. São
pensamentos que mais valem se afastar, pois tudo é o que tem de ser. O talento
estava dentro dele, porque de outra forma o cura da aldeia, Filippo Carli, não
o teria incitado a entrar no seminário de Feltre.
A primeira
votação fora o prenúncio de que as coisas não seriam tão fáceis como esperava.
O despercebimento pelo qual estava habituado a passar malograra de forma
incompreensível: como explicar que tivesse vinte e três votos logo de início,
dois a menos que Siri e cinco a mais que Pignedoli? São os desígnios do Além
que interferem cá e lá. No final, juntaram os votos dos dois escrutínios e
colocaram-nos no incinerador. Paulo VI previra todo o Conclave, nada lhe
escapara em termos de segurança externa e interna, pois era o papa anterior que
ditava as regras para a escolha do seu sucessor; tudo porque, pela primeira
vez, proibira os cardeais com mais de oitenta anos de participar do Conclave, e
todo o cuidado era pouco; nenhum podia se infiltrar. Caso estranho, pois
trata-se de homens espirituais, cristãos, crentes em Deus Pai Todo-Poderoso,
mas, acima de tudo, homens, com as limitações físicas que isso acarreta.
Contudo, não previra a possibilidade dos seus cardeais morrerem asfixiados;
isso quase acontecia, pois ninguém se lembrara de limpar a chaminé. O resultado
foi que pouca fumaça negra saiu para o exterior da Capela Sistina, e a maior
parte inundou o interior. Se não fossem alguns valentes que se expuseram à
excomunhão abrindo as janelas seladas, o Conclave teria terminado ali mesmo.
Depois da suplicação, Luciani levantou-se e saiu da cela. Joseph Malula,
cardeal do Zaire, cumprimentou-o efusivamente assim que o viu e deu-lhe os
parabéns, mas Luciani abanou a cabeça entristecido enquanto se dirigiam para a
capela, para proceder à terceira votação.
Estou
sendo mortificado por uma grande tempestade, afirmou para o outro. Sabemos que
Deus ouve todas as preces à Sua maneira, atende a tudo e a todos com o Seu amor
irrestrito, que, como muitos dizem, prevalece sempre, seja qual for a nossa
forma de agir, acreditemos ou não Nele; e assim, ao fim da terceira votação,
Luciani desgrudou do seu rival, entre aspas; embora não as tenha, nem precise,
sabemos bem a vontade que o outro tinha de vencer aquela corrida. Somou
sessenta e oito votos contra quinze de Siri. Luciani estava a meros oito votos
do Pontificado. Não, por favor, não... Alguns cardeais sentados ao seu lado
ouviram o desabafo do amigo. Willebrands tentou acalmá-lo. Coragem. O Senhor dá
o fardo, mas também concede a força para carregá-lo. Felici aproximou-se do
nervoso Luciani e entregou-lhe um envelope. Uma mensagem para o novo papa,
disse; uma frase curiosa para quem sempre havia votado em Siri». In Luís Miguel
Rocha, O Último Papa, Saída de Emergência, 2006, ISBN 978-972-883-969-7.
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