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«[…]
Meu
coração, vós abristes
caminho
a meus cuidados,
pera
virem a ser banhados
na
água de meus olhos tristes,
tristes,
mal galardoados.
Necessário
é que vamos
algum
remédio buscar
para
se a vida acabar:
est’
é [o] bem que dessejamos,
est’é
[o] nosso dessejar.
Iremos
pela estrada
por
onde os tristes vão,
porque
nela, por rezão
deve
ser de nós achada,
achada
consolação.
Soir-me-ei
ao pensamento,
qu’é
alto; de ali verei,
verei
eu se poderei
ver
algum contentamento
de
quantos perdidos hei.
Mas
o que poderá ver
quem
já da vista cegou?
Porque
quem me a mim levou
meu
alongado prazer
nenhum
bem ver me deixou.
Deixou-me
em escuridade,
um
mal sobre outro sobejo,
pelo
que triste me vejo
tam
longe de liberdade
como
do bem que dessejo.
Verei
a vida, que em vida
bem
vista tanto aborrece,
aborrece
a quem padece
tristeza
mal merecida,
que
minha fé mal merece.
Levarom-me
toda a glória,
com
quanto bem dessejei,
dessejei
e alcancei;
ficou-me
só a memória,
por
dor, de quanto passei.
Lembrança
do bem passado,
que
não devera passar,
esta
me há-de matar;
dá-me
tal dor o cuidado,
que
se não pode cuidar.
Nada,
se não for a morte,
me
dará contentamento:
segundo
sei do que sento,
não
sento prazer tão forte
que
conforte meu tormento.
Não
devo eu mal querer
a
quem me aqui deixou;
que
ouvido nom possa ser,
já
me algum bem ficou,
que
é meu mal poder dizer.
Mas,
triste, não sei que digo;
isto
é falar a ersmo:
que
assaz me foi enemigo
quem
se vingou de mim mesmo
com
me só deixar comigo.
Que
me queira consolar,
o
meu mal não tem conforto
nem
eu lho posso buscar:
para
o prazer sou morto
e
vivo para o pesar.
Quanto
mal tam desvairado
e
todos para dar fim!
Tudo
me é contrairo, assim:
descuido
matu meu gado,
cuidado
matou a mim.
[…]
In
Cristóvão Falcão, Crisfal, Coleção Textos Literários, Biblioteca Virtual do
Estudante de Língua Portuguesa, 2ª. Edição, Lisboa, 1962.
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