jdact
As profecias e os cartapácios dos
sebastianistas
«(…) Faltava-lhes a
menor noção da crítica histórica, que na época do Renascimento nascera na
Itália e, nos séculos XVI e XVII, estava a ser aperfeiçoada nas Universidades
da Holanda e nas abadias e academias da França. O facto ilustra bem o isolamento
cultural em que Portugal se encontrava.
Os cartapácios
Os sebastianistas que se
prezavam de certo grau de cultura e erudição empenhavam-se em colecionar profecias.
Estas colecções, geralmente feitas sem nenhum critério científico, eram para
eles o arsenal donde tiravam as armas para defender e propagar as suas opiniões
e para combater as dos incrédulos e dissidentes. Muitos desses cartapácios
chegaram aos nossos dias, alguns feitos por copistas ignorantes e cheios dos erros
mais crassos, outros organizados com certo esmero e método. Dois deles merecem
uma menção especial: o Jardim Ameno
e o Catálogo das Profecias.
Ambos primam por uma grande variedade de matéria profética, e, comparados com
outros cartapácios, dão a impressão de transmitir um texto coerente e, dentro dos
seus limites, fidedigno. Deles me servirei amplamente na transcrição dos textos
sebásticos que pretendo reproduzir no presente trabalho. Deixo de transcrever o
título completo do Jardim Ameno,
por ser muito longo. A transcrição chegaria a ocupar quase meia página. O
cartapácio, tal como chegou até nós, deve ter por base uma compilação de profecias,
organizada por um certo Pedreanes Alvelos e dedicada por ele ao rei Sebastião
no dia 20 de Abril de 1636. Mas o copista ampliou a colecção, enriquecendo-a de
algumas alusões à aclamação de João IV. Concluiu-se o traslado no dia 1 de
Janeiro de 1650, em Goa, o que não impediu o compilador de lhe acrescentar
ainda alguns textos, entre eles, o do Juramento de Afonso Henriques. O
livro que, muito provavelmente, já desde o início estava em poder dos jesuítas
chegou às mãos de Henrique Carvalho, confessor do rei João V, que em 1741 o deu
de presente ao colégio da Companhia de Gouveia. Aí foi sequestrado na época de
Pombal como livro malicioso e pernicioso. Felizmente, escapou ao holocausto que
Pombal mandou fazer de tantos livros sebásticos. O cartapácio transmite quase
todas as profecias básicas da seita, se não sem defeitos, ao menos, de maneira
satisfatória.
O Catálogo das Profecias tem
uma história menos complicada. Foi organizado em 1809 por pessoa que nos é
desconhecida. É uma colecção riquíssima, que abrange mais de 475 páginas; mas,
infelizmente, a qualidade dos textos transcritos é muito desigual, e também
encontramos nela algumas repetições. Este códice é para nós de grande
importância, porque, além de transmitir quase todas as profecias básicas do sebastianismo,
também conserva muito material que data da época de Napoleão.
As profecias bíblicas
Em nenhum cartapácio encontramos profecias bíblicas, apesar de serem as
mais fundamentais de todas. Citam-nas com grande regularidade os tratadistas,
mas os organizadores de compilações passam-nas em silêncio, sem dúvida porque
elas se subentendem tacitamente e são consideradas de conhecimento geral. Os
tratadistas alegam frequentemente alguns textos dos profetas Isaías e Ezequiel,
que se referem à paz e harmonia universal do reino messiânico, tema por eles, geralmente,
combinado com a restauração de Israel». In José Van den Besselaar, O Sebastianismo
História Sumária, Instituto Camões, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Biblioteca Breve /Volume 110, Livraria
Bertrand, 1987.
Cortesia de CV Camões/JDACT