As profecias e os cartapácios dos
sebastianistas
As profecias bíblicas
«(…) Mais importante,
porém, são os textos apocalípticos da Bíblia. O género apocalíptico, que
floresceu entre 200 a.C. e 200 d. C., descreve em sonhos ou visões o combate decisivo
entre Israel e os seus inimigos nos tempos derradeiros, e o triunfo final do
povo de Deus. A descrição faz-se por meio de figuras simbólicas (Leão, Águia,
Dragão, etc.), cujo significado vem a ser explicado, ou pelo próprio profeta,
ou por um Anjo, ou por Deus. Entre esses sonhos cumpre salientarmos os do
profeta Daniel (cap. 2 e 7), referentes aos quatro grandes Impérios que no
Próximo Oriente se sucederam e que a exegese tradicional identificava,
respectivamente, com o dos Assírios, o dos Persas e Medos, o dos Gregos
(Alexandre Magno) e o dos Romanos.
O primeiro sonho
representava os quatro Impérios sucessivos na figura de uma estátua enorme,
cuja cabeça era de ouro, o peito e os braços de prata, o ventre e as coxas de
cobre, e as pernas de ferro, sendo de ferro também uma parte dos pés, mas de
barro outra parte. Desprendendo-se, de repente, duma montanha, uma pedra feriu
e despedaçou a estátua, crescendo até se transformar numa grande montanha, que
acabou por encher a terra inteira. Esta pedra deu, em Portugal, origem ao Quinto
Império, e à Fifth Monarchy
entre os metodistas da Inglaterra. Eis o comentário de Vieira:
Aquela pedra […], que derrubou a estátua e
desfez em pó e cinza todo o preço e dureza de seus
metais, significa um novo e Quino Império, que o Deus
do Céu há-de levantar no Mundo nos últimos tempos
dos outros quatro. Este Império os há-de desfazer e
aniquilar a todos, e ele só há-de permanecer para
sempre, sem haver de vir jamais por acontecimento algum
a domínio ou poder estranho, sem haver de conquistado
ou destruído, como sucedeu […] aos demais.
Comentando o segundo
sonho de Daniel, o jesuíta interpreta-o no mesmo sentido. Merece também atenção
especial o chamado Livro IV de
Esdras, opúsculo apócrifo, redigido no fim do século I d. C. por um
judeu piedoso e falsamente atribuído a Esdras, o organizador da comunidade religiosa
dos judeus depois do cativeiro de Babilónia (séc. V a. C.). Este livro, apesar
de não canónico, gozava também entre os cristãos de grande prestígio, a ponto de
ficar incluído na edição da Vulgata
Latina, à guisa de apêndice. Nele se encontram algumas visões apocalípticas.
Uma delas fala de um Leão (o Messias), que porá termo ao reino injusto de uma
Águia monstruosa (o Império Romano) e estabelecerá um império de justiça até ao
Juízo Final. Escusado será dizermos que os sebastianistas viam no Leão e figura
do Encoberto.
Outra visão de Esdras fala nas dez tribos deportadas pelos Assírios no
fim do século VIII a. C. Ao contrário das duas tribos que, mais tarde, seriam
transportadas para a Babilónia, estas nunca conseguiram repatriar-se: encerradas
por altas montanhas e rios caudalosos, vivem longe das outras nações. Mas no
fim dos séculos hão-de aparecer milagrosamente para se incorporar no Reino do
Messias. O tema das tribos perdidas, imaginadas como prestes a submeter-se à
Lei de Cristo e ajudar o Imperador Mundial, devia ser caro a Bandarra e a
Vieira. No Novo Testamento lemos diversos textos relativos ao Anticristo, às
perseguições dos últimos tempos e ao Segundo Advento de Cristo. Os passos mais
importantes ocorrem nos Evangelhos, nas Epístolas de São Paulo e, sobretudo, no
Apocalipse. De acordo com a exegese tradicional, este livro descrevia por meio
de figuras simbólicas (as sete trombetas, os sete selos, os sete anjos, etc.) a
história da Igreja, uma história cheia de calamidades, às quais se havia de
seguir o reino milenar de Cristo na terra e, depois de um breve intervalo
dominado por Satanás, o Juízo Final». In José Van den Besselaar, O Sebastianismo
História Sumária, Instituto Camões, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Biblioteca Breve /Volume 110, Livraria
Bertrand, 1987.
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