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De volta de Ceuta
«(…) Olvidada e aborrecida por causa da infanta, exposta á irrisão com expressões
equivocas para a sua honra delicada, a menina dos olhos verdes tinha o coração morto
para o falso cavalheiro ingrato, que ella tanto havia amado. Para
Falsos amores,
Falsos, maus, enganadores,
bastara uma vez.
Ao desolado poeta não restava
senão lastimar a sua sorte e explicar por outros amores a invencível pertinácia
da gentil menina.
E pois fé verdadeira, amor
perfeito,
Tormento desigual e vida
triste,
Junta com um continuo soffrimento
E um mal, em que o mal todo,
emfim, consiste.
Não puderam mover teu duro
peito
A mostrares sequer contentamento
De ver o meu tormento.
Antes tudo, soberba,
desprezaste,
E a outrem te entregaste,
Por nada me ficar em que
esperasse.
Senão quando acabasse
A vida, a pesar meu, já tão
cumprida.
Perca quem te perdeu também
a vida.
(Egloga 4ª).
E a infanta? A infanta continuava
a ser a obsessão constante do poeta, apesar dos esforços que elle empregava para
afastar do seu espirito as doces lembranças da passada gloria.
Doces lembranças da
passada gloria.
Que -me tirou fortuna roubadora,
Deixai-me descansar em paz
uma hora.
Que comigo ganhais pouca victoria.
Impressa tenho na alma larga
historia
Deste passado bem, que
nunca fora,
Ou fora e não passara; mas
já agora
Em mi não póde haver
mais que a memoria.
Vivo em lembranças, morro
de esquecido
De quem sempre devera ser
lembrado.
Se lhe lembrara estado tão
contente.
Oh quem tornar pudera a
ser nascido!
Soubera-me lograr do bem
passado,
Se conhecer soubera o mal
presente !
(Soneto 18).
Amor, com a esperança já
perdida,
Teu soberano templo visitei;
Por sinal do naufrágio que
passei,
Em lugar dos vestidos, pus
a vida.
Que mais queres de mi,
pois destruida
Me tens a gloria toda que
alcancei?
Não cuides de render-me,
que não sei
Tornar a entrar-me onde
não ha saída.
Vês aqui a vida e a alma
e a esperança,
Doces despojos de meu
bem passado,
Em quanto o quis aquella
que eu adoro.
Nelles podes tomar de mi
vingança;
E, se te queres inda mais
vingado,
Contenta-te co as lagrimas
que choro.
(Soneto 50).
Pensamentos, que agora novamente
Cuidados vãos em mim resuscitais,
Dizei-me: E ainda vos não
contentais
De ter, a quem vos tem, tão
descontente?
Que phantasia é esta, que
presente
Cada hora ante os olhos me
mostrais?
Com uns sonhos tão vãos inda
tentais
Quem, nem por sonhos, póde
ser contente?
Vejo-vos, pensamentos, alterados
E não quereis, de esquivos,
declarar-me
Que é isto, que vos traz
tão enleados?
Não me negueis, se andais
para negar-me,
Porque, se contra mi 'stais
levantados,
Eu vos ajudarei mesmo a matar-me.
(Soneto 93).
[…]
In José Maria Rodrigues (3 1761 06184643.2), Coimbra 1910, PQ 9214 R64 1910 C1 Robarts/.
Cortesia do Arquivo Histórico/Universidade de
Coimbra/JDACT