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Passou do prazer de a observar para uma sensação de irritação, ao pensar
que esta peça sofisticada ia ser colocada na cama fria de Artur. Não conseguia
ver aquele rapaz sensato e estudioso a brincar e a provocar a paixão nesta
rapariga, prestes a tornar-se mulher. Imaginava que Artur seria desajeitado e
que talvez a magoasse, e ela cerraria os dentes e cumpriria o seu dever como
mulher e rainha, e mais provável seria ela morrer ao dar à luz; e todo aquele
esforço de encontrar uma noiva para Artur teria de ser repetido sem benefícios
para si próprio, excepto este desejo irritado e frustrado que ela parecia
inspirar-lhe. Era bom que ela fosse desejável uma vez que iria ser um ornamento
na sua corte; mas era uma perturbação o facto de ser tão desejável aos seus
próprios olhos. Henrique afastou os olhos da dança e consolou-se com a ideia do
seu dote, que lhe traria grandes e duradouros benefícios e lhe seria entregue directamente,
ao contrário desta noiva que parecia decidida a perturbá-lo, e teria de ir, por
muito que isso fosse errado, para o seu filho. Assim que estivessem casados, o
seu tesoureiro entregaria o primeiro pagamento do dote: em ouro sólido. Um ano
depois, entregaria a segunda parte em ouro e com as suas pratas e jóias. Tendo
lutado para chegar ao trono com pouco dinheiro e crédito incerto, Henrique
acreditava mais no poder do dinheiro do que em qualquer outra coisa na vida;
ainda mais do que no trono, porque sabia que podia comprar um trono com
dinheiro, e ainda mais do que nas mulheres, porque essas compram-se facilmente;
e mais, bastante mais do que na alegria do sorriso de uma princesa virgem, que
interrompera a sua dança, lhe fizera uma reverência e se dirigia a ele
sorrindo. Agradei-vos?, perguntou corada e ligeiramente ofegante. O suficiente,
respondeu, determinado em que ela nunca soubesse o quanto. Mas agora é tarde e devíeis
voltar à vossa cama. Cavalgaremos um pouco convosco de manhã, antes de
partirmos para Londres. Ficou surpreendida pela brusquidão da resposta. Voltou
a olhar para Artur como se ele pudesse contrariar os planos do pai; talvez
ficar junto dela durante o resto da viagem, uma vez que o pai se gabara da sua
informalidade. Mas o rapaz nada disse. Como desejardes, Vossa Graça, respondeu
polidamente.
O rei assentiu com a cabeça e levantou-se. A corte mergulhou em reverências
e vénias profundas, enquanto ela passava diante deles, dirigindo-se ao quarto. Não
é assim tão informal, pensava Catalina ao observar o Rei da Inglaterra a
circular pela corte, de cabeça erguida. Pode gabar-se de ser um soldado com os
modos de um acampamento, mas insiste na obediência e na exibição da deferência.
Tal como devia, acrescentou a filha de Isabel para si mesma. Artur seguiu o pai
com um rápido Boa noite dirigido à princesa ao sair. Num instante, todos os
homens do seu séquito tinham saído, e a princesa estava sozinha com as aias. Que
homem extraordinário, observou para a sua preferida, Maria Salinas. Ele gostou
de vós, afirmou a jovem. Olhava-vos muito. E porque não gostaria?, perguntou
com a arrogância instintiva de uma rapariga nascida no maior reino da Europa. E
mesmo que não gostasse, já está acordado, e não pode haver alterações. Esteve
acordado durante a minha vida inteira.
Ele não é o que eu
esperava, este rei que lutou para chegar ao trono e apanhou a coroa do meio da
lama, num campo de batalha. Esperava que fosse mais como um defensor, um grande
soldado, talvez como o meu pai. Ao invés, tem um olhar de mercador, um homem
que procura o lucro dentro de casa, não um homem que conquistou o reino e a
mulher na ponta da espada. Creio que esperava encontrar um homem como Don
Hernán, um herói a quem pudesse admirar, um homem a quem teria orgulho em
chamar pai. Mas este rei é magro e pálido como um clérigo, em nada semelhante
aos cavaleiros dos romances. Pensava que a sua corte fosse mais grandiosa,
esperava um grande desfile e um encontro formal com longas apresentações e
discursos elegantes, como teríamos feito no Alhambra. Mas ele é abrupto; na
minha opinião, é mal-educado. Terei de me habituar a estes modos do Norte, esta
pressa em fazer as coisas, estas ordens bruscas. Não posso esperar que sejam bem-feitas
ou correctas. Terei de ignorar muita coisa até ser rainha e poder mudá-las. Mas,
de qualquer forma, pouco me importa se gosto do rei ou se ele gosta de mim. Ele
assinou este tratado com o meu pai e eu fui prometida ao filho. Pouco interessa
o que penso dele, ou o que pensa de mim. Não é que tenhamos de tratar de muitas
questões em comum. Eu viverei e governarei Gales e ele viverá e governará a
Inglaterra, e quando morrer, será o meu marido a ocupar o trono, o meu filho
será o próximo Príncipe de Gales, e eu serei rainha. Quanto ao meu futuro
marido, deixou-me uma primeira impressão diferente. É tão bonito! Não esperava
que fosse tão bonito! É tão louro e pequeno, é como, é como um pajem dos
romances antigos. Consigo imaginá-lo acordado a noite inteira, em vigília, ou
cantando para uma janela do castelo. Tem uma pele pálida, quase prateada,
cabelo dourado e fino, e no entanto, é mais alto do que eu, magro e forte como
um rapaz prestes a tornar-se homem. Tem um sorriso invulgar, que surge
relutantemente e depois se abre. E é simpático. Isso é muito importante num
marido. Foi simpático quando aceitou o copo de vinho que lhe estendi, percebeu
que estava a tremer, e tentou confortar-me. O que pensará de mim? Gostava tanto
de saber o que pensa de mim». In Philippa Gregory, Catarina de Aragão,
A Princesa Determinada, Livraria Civilização Editora, 2006, ISBN
978-972-262-455-8.
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