Cortesia
de wikipedia e jdact
Nascimento
e glória de Saturno
«Numa
era muito antiga, tão antiga que antes dela só havia o caos, o mundo era governado
pelo Céu, filho da Terra. Um dia, este, unindo-se à própria mãe, gerou uma raça
de seres prodigiosos, chamados Titãs. Ocorre que o Céu, deus poderoso e nem um
pouco clemente, irritou-se, certa feita, com as afrontas que imaginava receber
dos seus filhos. Por isto, decidiu encerrá-los nas profundezas do ventre da
própria esposa, à medida que eles iam nascendo. Aí ficarão para sempre, no
ventre da Terra, para que nunca mais ousem desafiar a minha autoridade!,
exclamou, colericamente, o deus soberano. A Terra, subjugada, teve de segurar nas
suas entranhas, durante muitas eras, aquelas turbulentas criaturas e suportar,
ao mesmo tempo, o assédio insaciável e ininterrupto do marido. Um dia, porém,
farta de tanta tirania, decidiu a mãe do mundo que um de seus filhos deveria libertá-la
deste tormento. Para tanto, escolheu Saturno, o mais jovem dos seus rebentos. Saturno,
meu filho, disse a Terra, lavada em pranto, somente V. poderá libertar-me da
tirania de seu pai e conquistar para si o mando supremo do Universo!
O jovem e ambicioso Titã sentiu
um frémito percorrer as suas entranhas. Diga, minha mãe, o que devo fazer para
livrá-la de tamanha dor!, disse Saturno, disposto a tudo para chegar logo à
segunda parte do plano. A Terra, erguendo uma enorme foice de diamante,
entregou-a ao filho. Tome e use-a da melhor maneira que puder!, disseram seus
olhos, onde errava um misto de vergonha e esperança. Saturno apanhou a foice e
não hesitou um instante: dirigiu-se logo para o local onde o seu velho pai
descansava. Ao chegar no azulado palácio erguido nos céus, encontrou-o
ressonando sobre um grande leito acolchoado de nuvens. Dorme, o tirano...,
sussurrou baixinho. Saturno, depois de examinar por algum tempo o rosto do
impiedoso deus, empunhou a foice e pensou consigo mesmo: realmente...,
demasiado soturno. E fez descer o terrível gume, logo abaixo da cintura do
pobre Céu. Um grito terrível, como jamais se ouvira em todo o Universo, ecoou
na abóbada celestial, despertando toda a criação. Quem ousou levantar mão ímpia
contra o soberano do mundo?, gritou o Céu, com as mãos postas sobre a ensanguentada
virilha. Isto é pelos tormentos que infligiu à minha mãe, bem como a mim e a
meus irmãos, respondeu Saturno, ainda a brandir a foice manchada de sangue.
Os testículos do Céu, arrancados
pelo golpe certeiro da foice, voaram longe e foram cair no oceano, com um baque
tremendo. Em seguida, o deus ferido caiu, exangue, sobre seu leito acolchoado,
sem poder dizer mais nada. As nuvens que lhe serviam de leito tingiram-se de um
vermelho tal que durante o dia inteiro houve como que um infinito e escarlate
crepúsculo. Saturno, eufórico, foi logo contar a proeza à sua mãe. Isto é que é
filho, disse a Terra, abraçada ao jovem parricida. Imediatamente foram soltos
todos os outros Titãs, irmãos de Saturno. Este, por sua vez, recebeu a sua
recompensa: era agora o senhor inconteste de todo o Universo. Quando a noite
caiu, entretanto, escutou-se uma voz espectral descer da grande cúpula côncava
dos céus: ai de você, rebento infame, que manchou a mão no sangue do seu
próprio pai! Do mesmo modo que usurpou o mando supremo, irá também um dia
perdê-lo... Saturno assustou-se a princípio, mas em seguida ordenou aos seus
pares que recomeçassem os festejos.
Ora, ameaçazinhas... Deus morto,
deus posto!, exclamou, com um riso talhado no rosto. Mas aquela profecia,
irritante como um mosquito, ficara ecoando na sua mente, até que Saturno, por
fim, reconheceu-se também meio soturno: será que uma vitória, neste mundo, não
pode ser nunca completa?
Nascimento
e glória de Júpiter
Saturno,
após destronar sangrentamente o próprio pai, era agora senhor de todo o Universo.
Aqui é assim: mando eu e ninguém mais, dizia o tempo todo, a ponto de suas palavras
reverberarem noite e dia pelos céus. Certa dia, sua esposa, Cibele, que também
era sua irmã, chegou-se a ele e disse: abrace-me, querido Saturno, pois serei
mãe! O velho Saturno, encanecido no mando, esboçou apenas um sorriso. Muito
bonito, resmungou o deus. Mas e daí? Ora, e daí que V., meu esposo, será pai!,
disse ela, tentando animá-lo. Esta palavra, no entanto, despertou a fúria de
Saturno. Pondo-se em pé, com os olhos acesos, esbravejou: não quero ouvir falar
mais nesta palavra aqui no céu. Imediatamente ordenou que a pobre Cibele saísse
da sua frente, para que pudesse reorganizar os seus pensamentos». In AS
Franchini e Carmen Seganfredo, As 100 Melhores Histórias da Mitologia, Deuses,
Heróis, Monstros, Guerras da tradição Greco-Romana, L&PM, 2003, 2007, ISBN
852-541-316-X.
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