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«(…) A
rainha Isabel encarregou-me da vossa segurança e peço a vós que fiqueis aqui. Não,
berrou ela. Como é que a minha mãe me pode fazer isso de novo? Chega! Haveis-me
pedido que ficasse e eu recusei. E tentou passar por ele. Fonseca avançou para
a frente dela. Suas Majestades pretendem apenas que fiqueis mais um pouco até
poderem vir dizer adeus. Ah! Peço-vos que não insulteis a minha inteligência.
Afastai-vos, quero passar. Fechai os portões! Baixai a ponte levadiça!, ordenou
Fonseca. O estrondo da madeira reforçada e o ranger de correntes
dilaceraram-lhe a alma. Ouvia o esmagar de todos os seus sonhos e esperanças. Recebi
ordens para que não vos ausenteis deste local até Suas Majestades darem autorização.
Não podeis visitar a cidade, nem sequer pensar em viajar. Lembram-vos que seria
extremamente perigoso para vós viajar sem autorização. Devo tomar todas as precauções
necessárias que vos impeçam de agir contra o desejo deles. Seu vilão! Seu vilão
inqualificável. Pensei que éreis meu amigo. Revelastes todos os meus planos
pelas minhas costas e depois conspirastes contra mim. E agora aprisionais-me. Confiava
em vós e traístes-me. Agora não tenho qualquer esperança. Cuspiu-lhe aos pés. Não
sois digno das vestes que envergais. Deixai que vos diga que, quando for rainha,
farei com que os vossos actos sejam justamente recompensados. Antes de fazer o que
quer que seja, ordenarei que vos enforquem. Ao contrário dos que me rodeiam, cumpro
as minhas promessas, Fonseca. Odeio-vos! Hei-de mandar cortar a vossa língua viperina!
O padre curvara-se
e apressara-se pelo portão do postilhão, lançando ordens enquanto caminhava. Já
partira havia algum tempo quando Joana se apercebeu de como fora ofensiva para
com a pessoa que insistira ter sempre a seu lado quando fosse rainha. Ergueu as
saias e correu pelos degraus acima até às ameias, chamando-o. Meu senhor bispo,
por favor, voltai, não pretendia dizer aquilo, perdoai-me. Não, acho melhor
informar a rainha Isabel da situação. Ela irá aconselhar-me sobre o melhor a
fazer. Joana desceu, vacilante, doente de apreensão. Só quero ir para junto do
meu Felipe. Durante o resto do dia e da noite caminhou pela estreita passagem
que corria junto às muralhas, mergulhada na sua infelicidade. Não dava conta da
chegada das criadas, não reparava na mudança da guarda, ignorava a oferta de
mais um manto. A um dado momento, na manhã seguinte, ouviu uma voz que se
dirigia a ela. Dois visitantes, Vossa Majestade.
Joana ergueu o
olhar, logo se alegrando, pois ainda poderia haver esperança. Meu senhor
arcebispo Cisneros e meu querido tio, por favor, perdoai esta recepção tão
pouco hospitaleira, mas, como vedes, espero partir a qualquer momento. Assim
ouvimos, Senhora, mas não estaríeis mais confortável lá dentro? Tendes razão, e
convidou-os a segui-la. Ambos se aperceberam de que a vitória seria fácil.
Joana, isto são as
cozinhas. Pensamos ir para os vossos aposentos, sussurrou dom Fradique. Tio,
aqui serve muito bem para mim. Vou esperar lá fora e comer e beber aqui até chegar
o momento de partir. Joana, vim da parte da rainha para vos implorar, a bem da
vossa saúde, que volteis para os vossos aposentos. Tendes de ter mais cuidado
com a vossa pessoa para que, quando chegar a Primavera, estejais bem para
viajar. Porque terei imaginado que trazíeis boas notícias? A minha mãe fala da
primavera, não é verdade? Pretende deixar-me aqui para sempre, que eu bem sei.
Fostes enviado com um monte de mentiras. Tio, eu só quero o meu Felipe, por que
ela não me deixa ir ao seu encontro? Por que me tortura assim? Joana, minha
querida, é claro que quereis o vosso príncipe e ireis ao seu encontro, mas a
seu tempo. Tendes de vos recordar que não sois uma mera senhora a tentar voltar
para o marido e para os filhos: é necessária muita cautela em todas as acções
que vós e nós empreendermos. Analisemos a situação cuidadosamente». In Linda
Carlino, That Other Joana, 2007, Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa,
2009, ISBN 978-972-234-231-5.
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