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«(…) O
Castelo La Mota encarava ferozmente do cimo de um monte sinistro e isolado o animado
mercado de Medina del Campo. Trazendo as notas de troca, gente de toda a Europa
enchia o mercado durante as feiras, comprando e vendendo lãs, sedas, cetins e veludos.
A praça, desproporcionadamente grande para uma cidade tão pequena, era um festival
de cores e sons. Todavia, o castelo ficava distante e altivo; solene, frio, com
aposentos húmidos e cheios de mofo, com frequência inundados pelas chuvas da Primavera
que enchiam o fosso. Naquele pardacento e ventoso dia de Novembro, o enorme
volume do castelo parecia mais inóspito do que nunca. Uma figura magra de
preto, segurando nas saias e no manto contra o vento cortante, seguia caminho
por entre as ameias, detendo-se ocasionalmente para espreitar na direcção da
cidade. Já deviam estar aqui. O que os terá atrasado? Oh, meu Felipe, aí vou
eu, aí vou eu, gritava Joana para as rajadas ferozes. Tinha o rosto encolhido
enquanto olhava, os olhos pisados de negro.
Desde que acordava,
não pensava em mais nada a não ser no regresso para junto de Felipe, que
partira havia quase um ano. Entrara em luto no dia em que ele a deixara. Chorava
durante horas e não falava em mais nada a não ser Felipe. Como tinha saudades dele,
como o amava, como o desejava, como tinha de voltar para junto dele. Após semanas
de pedidos ignorados, abatera-se numa profunda melancolia. Aquele estado de espírito
mantivera-se durante os oito meses desde o nascimento do filho, Fernando, mas
ela ainda não deixara a Espanha. Todavia, não haveria mais demoras, mais
desilusões. As desculpas e as promessas constantemente quebradas seriam
desnecessárias, pois desta vez fizera os seus próprios preparativos. Margarida,
a sua querida Margarida, e até a rainha Ana da França tinham prometido que
haveria carroças prontas à espera dela na fronteira. Partiria, apesar de os pais
não lhe concederem licença para viajar. Fora assinado um tratado de paz com a França
e isto, do seu ponto de vista, era garantia suficiente para a sua viagem segura
para Flandres, para junto do marido. A partir daquele dia não seria mais
prisioneira. Partiria. Porém, não via sinais dos cavalos. Desceu apressadamente
os degraus, mandou chamar meia dúzia dos seus guardas e, sombriamente
determinada, atravessou a ponte levadiça para descer o monte até à cidade,
pretendendo lidar pessoalmente com os responsáveis pela demora.
Não se afastara
muito quando encontrou Fonseca. Nenhum ficou feliz ao ver o outro. Vossa
Alteza, posso perguntar por que motivo haveis abandonado o castelo? Vou a
caminho da cidade para descobrir por que motivo os cavalos não foram enviados.
Está tudo pronto para partir e, agora, essa demora. Não posso imaginar qual é o
problema. Alguém será responsabilizado se não houver uma boa explicação.
Estamos perdendo tempo valioso. Bom dia, meu senhor. Senhora, não devíeis ir à
cidade sozinha. Então, acompanhai-me. Não é preciso. O problema já foi
resolvido, mas não devíamos estar aqui ao frio; voltemos para o castelo e
explicarei tudo a vós. E conduziu-a de novo pelo portão do castelo. Joana
deteve-se, suspeitosa. Dizei-me o que se passa com os cavalos. Não quereis
entrar? Não dou nem mais um passo. Os cavalos!? Estão em Medina. É claro que
estão em Medina, cortou ela. É por isso que ia a caminho. Não me trateis como
uma idiota. Não vêm para cá. Mandei-os para trás. Como vos atreveis? Com que
autoridade?, gritou Joana, a raiva quase impedindo-a de falar». In Linda
Carlino, That Other Joana, 2007, Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa,
2009, ISBN 978-972-234-231-5.
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