terça-feira, 20 de agosto de 2019

Novas Cartas Portuguesas. Maria Barreno, Maria Horta, Maria Costa. «Não houve pão para nós à mesa dos homens. Nosso corpo fértil no cavaleiro foi maridado na casa do Cavaleiro comeremos. Na casa do Cavaleiro dormiremos»

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Cantiga de Mariana Alcoforado à maneira de lamento
«(…)
Me tomam por tomada
a mim se dou
meu peito e meu convento
em troca de mais nada

que alheada andava
tão alheada andava

Me davam por freira
conformada
no hábito que habito
ou habitava

que alheada andava
tão alheada andava

Me têm por lei presa
tão bem posta em dádiva
pois me libertei

que alheada andava
tão alheada andava

Me dizem que morra
se por mim amei
com a ameaça funda que pequei

que alheada andava
tão alheada andava

Me sobram porém hoje os dias
que perdi
e a clausura então que não rasguei

que alheada andava
tão alheada andava
28/3/71

A freira sangrenta
Fantasma que assombrava o Castelo de Lindenberg, tornando-o inabitável... Era uma freira usando um véu e um vestido ensanguentado. Numa das mãos trazia uma enxada, na outra uma candeia acesa... Freira espanhola, tinha deixado o convento para viver com o senhor do castelo. Tão infiel ao seu amante como o fora para o seu Deus, traiu-o, mas só conseguiu ser por sua vez traída pelo cúmplice, com quem queria casar. O seu corpo foi deixado sem sepultura, e a sua alma sem poiso errou cerca de um século. Implorava um pouco de terra para o seu corpo e algumas orações para a sua alma..., tendo-lhe sido prometidas ambas as coisas, desapareceu.

Madre Abadessa, aqui me mandam de casa dos meus pais.

Não houve pão para nós à mesa dos homens.
Nosso corpo inútil no Senhor foi votado.
Na casa do Senhor comeremos.
Na casa do Senhor dormiremos.

Madre Abadessa, e o que seremos sem corpo
Nem cavaleiro?

Nossa paixão é o Senhor, nosso exercício
O paraíso, nosso objecto é o mundo
Seremos freiras em convento.

Elisabeth de Hoven
Freira num convento de Hoven, no século doze. Encontrou um dia o diabo no seu quarto. Reconhecendo-o pelos cornos, foi direita a ele e deu-lhe uma estalada que o atirou pelos ares... Noutra ocasião, julgou que um homem tinha conseguido entrar no convento, mas quando depois se convenceu de que tinha estado tratando com o diabo, a Irmã Elizabeth exclamou: oh! Se tivesse logo percebido isso, que bofetada eu lhe teria dado!

Madre Abadessa, aqui me mandam de casa dos meus pais.

Não houve pão para nós à mesa dos homens.
Nosso corpo fértil no cavaleiro foi maridado
Na casa do Cavaleiro comeremos.
Na casa do Cavaleiro dormiremos.

Madre Abadessa, e o que seremos sem corpo
E com cavaleiro?

Pomar de primeira, montada
Das suas lutas vazias, mão de obra barata.
Nossa paixão é o mundo, nosso exercício
Seus filhos, nosso objecto é o cavaleiro.
Seremos dadas em casamento».

In Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho Costa, Novas Cartas Portuguesas, 1972, edição anotada, Publicações dom Quixote, 1998, 2010, ISBN 978-972-204-011-2.

Cortesia PdQuixote/JDACT