Cortesia
de wikipedia e jdact
Histórias
de Deuses e Heróis
«As
religiões da Grécia e da Roma antigas desapareceram. As chamadas divindades do
Olimpo não têm mais um só homem que as cultive, entre os vivos. Já não
pertencem à teologia, mas à literatura e ao bom gosto. Ainda persistem, e
persistirão, pois estão demasiadamente vinculadas às mais notáveis produções da
poesia e das belas artes, antigas e modernas, para caírem no esquecimento.
Propomo-nos a contar episódios relativos àquelas divindades, que nos chegaram
dos antigos, e aos quais aludem, com frequência, poetas, ensaístas e oradores
modernos. Desse modo, leitores poderão, a um só tempo, distrair-se com as mais
encantadoras ficções que a fantasia jamais criou, e adquirir conhecimentos indispensáveis
a todo aquele que se quiser familiarizar com a boa literatura de sua própria
época. A fim de compreendermos aqueles episódios, cumpre-nos, em primeiro
lugar, conhecer as ideias sobre a estrutura do universo, aceita pelos gregos, o
povo de quem os romanos, e as demais nações receberam sua ciência e sua
religião. Os gregos acreditavam que a Terra fosse chata e redonda, e que o seu
país ocupava o centro da Terra, sendo o seu ponto central, por sua vez, o Monte
Olimpo, residência dos deuses, ou Delfos, tão famoso por seu oráculo.
O
disco circular terrestre era atravessado de leste a oeste e dividido em duas
partes iguais pelo Mar, como
os gregos chamavam o Mediterrâneo e a sua continuação, o Ponto Euxino, os únicos
mares que conheciam. Em torno da Terra corria o rio Oceano, cujo curso era do
sul para o norte na parte ocidental da Terra e em direcção contrária do lado
oriental. Seu curso firme e constante não era perturbado pelas mais violentas
tempestades. Era dele que o mar e todos os rios da Terra recebiam as suas
águas. A parte setentrional da Terra era supostamente habitada por uma raça
feliz, chamada hiperbóreos, que desfrutava uma primavera eterna e uma
felicidade perene, por trás das gigantescas montanhas, cujas cavernas lançavam
as cortantes lufadas do vento norte, que faziam tremer de frio os habitantes da
Hélade (Grécia). Aquele país era inacessível por terra ou por mar. Sua gente
vivia livre da velhice, do trabalho e da guerra. Moore nos deixou um Canto
de um Hiperbóreo, que assim começa: de um país venho pelo sol banhado, De jardins reluzentes, Onde o vento
do norte jaz domado E os uivos estridentes. Na parte
meridional da Terra, junto ao curso do Oceano, morava um povo tão feliz e
virtuoso como os hiperbóreos, chamado etíope. Os deuses o favoreciam a tal
ponto, que se dispunham, às vezes, a deixar os cimos do Olimpo, para
compartilhar dos seus sacrifícios e banquetes. Na parte ocidental da Terra,
banhada pelo Oceano, ficava um lugar abençoado, os Campos Elíseos, para onde os
mortais favorecidos pelos deuses eram levados, sem provar a morte, a fim de
gozar a imortalidade da bem-aventurança. Essa região feliz era também conhecida
como os Campos Afortunados ou Ilha dos Abençoados. Como se vê, os gregos dos tempos
primitivos pouca coisa sabiam a respeito dos outros povos, a não ser os que
habitavam as regiões situadas a leste e ao sul de seu próprio país, ou perto do
litoral do Mediterrâneo. Sua imaginação, enquanto isto, povoava a parte
ocidental daquele mar de gigantes, monstros e feiticeiras, ao mesmo tempo em
que colocava em torno do disco da Terra, que provavelmente consideravam como de
extensão reduzida, nações que gozavam favores especiais dos deuses, que as
beneficiavam com a aventura e a longevidade.
Supunha-se
que a Aurora, o Sol e a Lua levantavam-se no Oceano, na sua parte oriental, e
atravessavam o ar, oferecendo luz aos deuses e aos homens. Também as estrelas,
com excepção das que formavam as constelações das Ursas, e outras que lhes
ficavam próximas, levantavam-se e deitavam-se no Oceano. Ali, o deus-sol
embarcava num barco alado, que o transportava em torno da parte setentrional da
Terra, até ao lugar onde se levantava, no nascente. Milton faz alusão a esse facto
no seu Comus:
Eis que do dia o carro refulgente,
Com seu eixo de ouro, docemente,
Sulca as águas do oceano, sem desmaio,
Enquanto do inclinado sol o raio
Para o alto se volta, como seta
Visando, com firmeza, a outra meta
De sua moradia no nascente.
A
morada dos deuses era o cume do Monte Olimpo, na Tessália. Uma porta de nuvem,
da qual tomavam conta as deusas chamadas Estações, abria-se a fim de permitir a
passagem dos imortais para a Terra e para dar-lhes entrada, no seu regresso. Os
deuses tinham moradas distintas; todos, porém, quando convocados, compareciam
ao palácio de Júpiter, do mesmo modo que faziam as divindades cuja morada
habitual ficava na Terra, nas águas, ou em baixo do mundo. Era também no grande
salão do palácio do rei do Olimpo que os deuses se regalavam, todos os dias,
com ambrosia e néctar, seu alimento e bebida, sendo o néctar servido pela linda
deusa Hebe. Ali discutiam os assuntos relativos ao céu e à terra; enquanto
saboreavam o néctar, Apolo, deus da música, deliciava-os com os sons de sua
lira e as musas cantavam. Quando o sol se punha, os deuses retiravam-se para as
suas respectivas moradas, a fim de dormir. Os versos seguintes da Odisséia
mostram como Homero concebia o Olimpo:
Disse Minerva, a deusa de olhos pulcros,
E ao Olimpo subiu, à regia e eterna
Sede dos deuses, onde a tempestade
Ruge jamais, e a chuva não atinge
E nem a neve. Onde o dia brilha
Num céu limpo de nuvens e ameaças.
Felicidades sempiterna gozam
Ali os seus divinos habitantes.
[…]
In
Thomas Bulfinch, O Livro de Ouro da Mitologia, Histórias de Deuses e Heróis, 1855,
Ediouro Publicações, 26ª edição, 2002, ISBN 850-000-671-4.
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