quarta-feira, 7 de agosto de 2019

O Livro de Ouro da Mitologia. Thomas Bulfinch. «Disse Minerva, a deusa de olhos pulcros, e ao Olimpo subiu, à regia e eterna sede dos deuses, onde a tempestade…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Histórias de Deuses e Heróis
«As religiões da Grécia e da Roma antigas desapareceram. As chamadas divindades do Olimpo não têm mais um só homem que as cultive, entre os vivos. Já não pertencem à teologia, mas à literatura e ao bom gosto. Ainda persistem, e persistirão, pois estão demasiadamente vinculadas às mais notáveis produções da poesia e das belas artes, antigas e modernas, para caírem no esquecimento. Propomo-nos a contar episódios relativos àquelas divindades, que nos chegaram dos antigos, e aos quais aludem, com frequência, poetas, ensaístas e oradores modernos. Desse modo, leitores poderão, a um só tempo, distrair-se com as mais encantadoras ficções que a fantasia jamais criou, e adquirir conhecimentos indispensáveis a todo aquele que se quiser familiarizar com a boa literatura de sua própria época. A fim de compreendermos aqueles episódios, cumpre-nos, em primeiro lugar, conhecer as ideias sobre a estrutura do universo, aceita pelos gregos, o povo de quem os romanos, e as demais nações receberam sua ciência e sua religião. Os gregos acreditavam que a Terra fosse chata e redonda, e que o seu país ocupava o centro da Terra, sendo o seu ponto central, por sua vez, o Monte Olimpo, residência dos deuses, ou Delfos, tão famoso por seu oráculo.
O disco circular terrestre era atravessado de leste a oeste e dividido em duas partes iguais pelo Mar, como os gregos chamavam o Mediterrâneo e a sua continuação, o Ponto Euxino, os únicos mares que conheciam. Em torno da Terra corria o rio Oceano, cujo curso era do sul para o norte na parte ocidental da Terra e em direcção contrária do lado oriental. Seu curso firme e constante não era perturbado pelas mais violentas tempestades. Era dele que o mar e todos os rios da Terra recebiam as suas águas. A parte setentrional da Terra era supostamente habitada por uma raça feliz, chamada hiperbóreos, que desfrutava uma primavera eterna e uma felicidade perene, por trás das gigantescas montanhas, cujas cavernas lançavam as cortantes lufadas do vento norte, que faziam tremer de frio os habitantes da Hélade (Grécia). Aquele país era inacessível por terra ou por mar. Sua gente vivia livre da velhice, do trabalho e da guerra. Moore nos deixou um Canto de um Hiperbóreo, que assim começa: de um país venho pelo sol banhado, De jardins reluzentes, Onde o vento do norte jaz domado E os uivos estridentes. Na parte meridional da Terra, junto ao curso do Oceano, morava um povo tão feliz e virtuoso como os hiperbóreos, chamado etíope. Os deuses o favoreciam a tal ponto, que se dispunham, às vezes, a deixar os cimos do Olimpo, para compartilhar dos seus sacrifícios e banquetes. Na parte ocidental da Terra, banhada pelo Oceano, ficava um lugar abençoado, os Campos Elíseos, para onde os mortais favorecidos pelos deuses eram levados, sem provar a morte, a fim de gozar a imortalidade da bem-aventurança. Essa região feliz era também conhecida como os Campos Afortunados ou Ilha dos Abençoados. Como se vê, os gregos dos tempos primitivos pouca coisa sabiam a respeito dos outros povos, a não ser os que habitavam as regiões situadas a leste e ao sul de seu próprio país, ou perto do litoral do Mediterrâneo. Sua imaginação, enquanto isto, povoava a parte ocidental daquele mar de gigantes, monstros e feiticeiras, ao mesmo tempo em que colocava em torno do disco da Terra, que provavelmente consideravam como de extensão reduzida, nações que gozavam favores especiais dos deuses, que as beneficiavam com a aventura e a longevidade.
Supunha-se que a Aurora, o Sol e a Lua levantavam-se no Oceano, na sua parte oriental, e atravessavam o ar, oferecendo luz aos deuses e aos homens. Também as estrelas, com excepção das que formavam as constelações das Ursas, e outras que lhes ficavam próximas, levantavam-se e deitavam-se no Oceano. Ali, o deus-sol embarcava num barco alado, que o transportava em torno da parte setentrional da Terra, até ao lugar onde se levantava, no nascente. Milton faz alusão a esse facto no seu Comus:

Eis que do dia o carro refulgente,
Com seu eixo de ouro, docemente,
Sulca as águas do oceano, sem desmaio,
Enquanto do inclinado sol o raio
Para o alto se volta, como seta
Visando, com firmeza, a outra meta
De sua moradia no nascente.

A morada dos deuses era o cume do Monte Olimpo, na Tessália. Uma porta de nuvem, da qual tomavam conta as deusas chamadas Estações, abria-se a fim de permitir a passagem dos imortais para a Terra e para dar-lhes entrada, no seu regresso. Os deuses tinham moradas distintas; todos, porém, quando convocados, compareciam ao palácio de Júpiter, do mesmo modo que faziam as divindades cuja morada habitual ficava na Terra, nas águas, ou em baixo do mundo. Era também no grande salão do palácio do rei do Olimpo que os deuses se regalavam, todos os dias, com ambrosia e néctar, seu alimento e bebida, sendo o néctar servido pela linda deusa Hebe. Ali discutiam os assuntos relativos ao céu e à terra; enquanto saboreavam o néctar, Apolo, deus da música, deliciava-os com os sons de sua lira e as musas cantavam. Quando o sol se punha, os deuses retiravam-se para as suas respectivas moradas, a fim de dormir. Os versos seguintes da Odisséia mostram como Homero concebia o Olimpo:

Disse Minerva, a deusa de olhos pulcros,
E ao Olimpo subiu, à regia e eterna
Sede dos deuses, onde a tempestade
Ruge jamais, e a chuva não atinge
E nem a neve. Onde o dia brilha
Num céu limpo de nuvens e ameaças.
Felicidades sempiterna gozam
Ali os seus divinos habitantes.
[…]
In Thomas Bulfinch, O Livro de Ouro da Mitologia, Histórias de Deuses e Heróis, 1855, Ediouro Publicações, 26ª edição, 2002, ISBN 850-000-671-4.

Cortesia de EdiouroP/JDACT