sexta-feira, 16 de agosto de 2019

As Mulheres de Lesbos nas Mãos de Catulo. Zilma G. Nunes. «Safo é singular, não há referência a outra mulher na sua época que na arte tenha-se igualado a ela»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Vieste, e fizeste bem. Eu esperava,
queimando de amor; tu me trazes a paz».
Safo

«(…) A lírica eólica de Safo é pura expressão do sentimento, inspirada na vida circundante e direccionada a um determinado círculo de pessoas. A conexão viva da poesia de Safo, especialmente nas canções nupciais e amorosas, com os anseios das jovens companheiras que se agrupavam em torno dela adquire uma importante significação. Refere Jaeger que tudo se passa como se o espírito grego precisasse de Safo para dar o último passo no mundo da intimidade e do sentimento subjectivo. Os gregos deviam ter sentido isso como algo de muito significativo quando, no dizer de Platão, honraram Safo como a décima musa. Safo é singular, não há referência a outra mulher na sua época que na arte tenha-se igualado a ela. É comum nos versos de Safo a descrição de experiências íntimas com vivo realismo. Exemplo disso encontramos numa canção composta por ocasião das bodas de uma de suas discípulas:

Basta-me ver-te e ficam mudos os meus lábios, ata-se a minha língua, um fogo subtil corre sob a minha pele, tudo escurece ante o meu olhar, zunem-me os ouvidos, escorre por mim o suor, acometem-me tremores e fico mais pálida que a palha; dir-se-ia que estou morta.

Safo, por meio de uma linguagem pessoal, confere sentimento profundo aos versos e consegue expressar uma forte individualidade através da grande força do amor:

Alguns dizem que o que há de mais belo na Terra é um esquadrão de cavalaria; outros, um exército de guerreiros apeados; outros ainda, uma esquadra de navios; mas o mais belo é ser amado por quem o coração suspira.

Essa linguagem viva de Safo é geradora de linguagem. A partir da ideia de que Safo mantinha uma sociedade feminina para as moças de Lesbos surge o emprego actual da palavra lésbica, utilizada pela primeira vez em língua inglesa em 1890. André Lardinois em artigo publicado por Bremmer na obra citada intitulado Safo lésbica e Safo de Lesbos explica que o substantivo lesbianismo, relativo a homossexualismo de mulheres é ligeiramente mais antigo. Nesse contexto, diz o pesquisador, que o termo é utilizado com letra maiúscula para marcar o vínculo com a ilha de Lesbos. As enciclopédias, de modo geral, registram o verbete lesbianismo conforme se pode exemplificar com a reprodução do texto da Encyclopaedia Britannica do Brasil homossexualismo feminino. O mesmo que safismo, pois tem origem no nome de Safo, poetisa grega que liderava um grupo de mulheres que adoravam as musas e Afrodite na ilha de Lesbos (Grécia). Essa Encyclopaedia remete ainda ao verbete Safo e explica (século VII a. C.). Poetisa grega da ilha de Lesbos. De suas preferências sexuais vêm as expressões lesbianismo e amor lésbico.
Afirma Lardinois que as evidências são muito escassas para se atribuir de forma taxativa um comportamento homossexual a Safo. Passa, o autor, a analisar alguns dados relativos aos poemas de Safo que teriam dado margem a essa definição. Escolhe os cantos sobre as jovens garotas, já que foi principalmente por causa deles que surgiu a suposição de que Safo era lésbica. A poeta era respeitada na sua comunidade, escrevia cantos nupciais que eram cantados pelas amigas da noiva. Também faz referências, na sua poesia, a diversas garotas em diferentes situações: aquelas que abandonavam a sociedade para se casarem, ou qualquer outra que ainda permanecia no grupo em situações diversas. Afirma o investigador, que nos versos estudados, não se encontram claras indicações de práticas homossexuais. Há, contudo, que se analisar o facto de que não necessariamente, se ela fosse homossexual, deixaria indícios relatados na sua poesia. A descrição que apresenta das jovens como atraentes, até mesmo a seus olhos, pode ser lida como um elogio justificável e necessário num canto nupcial.
Safo desenvolve nos poemas uma visão cultural da mulher com a valorização do corpo feminino, na qual se diferencia numa ordem prática do que é exposto pela sociedade masculina, no que corresponde aos atributos idealizados, afirma José Roberto Paiva Gomes. Continua o autor:

Vemos surgir, portanto, com a narrativa de Safo, a mulher falando sobre o seu próprio universo e relacionando a experiência do sujeito feminino. Os poemas representam uma excepção, ao representar o quotidiano das mulheres e a sua relação com a sociedade e a natureza. Desta forma, Safo narra e observa de uma maneira distinta as relações sociais quando comparadas com as preocupações masculinas que foram priorizadas numa perspectiva do colectivo e onde a família e a sociedade dos homens são os temas principais».
In Zilma G. Nunes, As Mulheres de Lesbos nas Mãos de Catulo, Prelúdio de uma voz oculta, 2002, UFSC, Wikipedia.

Cortesia de UFSC/JDACT