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de wikipedia e jdact
«O
presente trabalho tem como objectivo a publicação de um dos inúmeros documentos
medievais do Arquivo Municipal de Lisboa: o traslado dos acordos firmados entre
Afonso IV e o infante Pedro, datado de 17 de Janeiro de 1356. Apesar de ter
sido já publicado, a justificação para uma nova edição prende-se, por um lado,
com o facto de a primeira conter algumas imprecisões e, por outro, com a
necessidade de dar a conhecer uma fonte essencial para a compreensão do período
conturbado que marcou a fase final do reinado de Afonso IV.
Trata-se de um traslado em
pública forma elaborado pelo tabelião Vasco Eanes, datado de 17 de Janeiro de
1356 e composto por 11 fólios de pergaminho, estando o fólio 11 verso em branco.
Nestes fólios estão trasladados seis diplomas elaborados entre 5 de Agosto de
1355 e 11 de Janeiro de 1356, todos eles referentes às avenças entre Afonso IV
e o infante Pedro, herdeiro do trono, no âmbito da procura de uma solução
pacífica para o conflito armado que os opunha e que tinha sido desencadeado em
1355 com o assassinato de Inês de Castro.
O infante Pedro casou em 1328,
por promessa, com dona Branca, filha de Pedro, (filho de Sancho IV) e sobrinha
do rei de Castela, Afonso XI. Apesar de ter chegado a vir para Portugal, dona
Branca foi repudiada, alegadamente devido à sua debilidade física e mental. Em 28
de Fevereiro de 1336, em Évora, o herdeiro do trono português volta a casar,
por procuração, com dona Constança Manuel, filha de Juan Manuel, duque de
Peñafiel, neto de Fernando III, O Santo, e sobrinho de Afonso X, a mesma que
havia sido repudiada por Afonso XI para se unir com dona Maria, filha de Afonso
IV. Aquele matrimónio, que ligava o herdeiro da coroa de Portugal a um dos
cabecilhas da oposição nobiliárquica a Afonso XI foi visto pelo monarca
castelhano como um perigo para a segurança do seu reino, profundamente
fragilizado por um clima de constante guerra civil, na qual uma intervenção
militar portuguesa podia fazer pender os pratos da balança a favor dos
revoltosos. Como tal, aprisionou dona Constança Manuel em Toro impedindo-a,
assim, de se juntar a Pedro, o que, aliado ao tratamento dado por Afonso XI à
rainha dona Maria, filha de Afonso IV, e ao apoio explícito de Portugal à
revolta nobiliárquica liderada por Juan Manuel e por Juan Nunez Lara, deu
origem à guerra luso-castelhana de 1336-1338. A assinatura de pazes, conseguida
graças à mediação papal e do rei de França, permitiu a formação de uma aliança
militar entre os dois reinos, até então desavindos, materializada na campanha
vitoriosa do Salado, em 1340; solucionou ainda, em teoria, a situação de desprezo
a que era votada a rainha dona Maria; e possibilitou, finalmente, a vinda, a 7
de Julho de 1340, de dona Constança Manuel para Portugal.
Entre os membros do séquito que
acompanhava a mulher do infante Pedro encontrava-se, como sua dama, Inês Perez
de Castro, sem dúvida a predilecta de dona Constança, pois foi madrinha do seu
primeiro filho, Luís, nascido em 1340, mas que acabou por morrer um ano depois.
Pertencente a uma poderosa família galega, Inês de Castro era filha bastarda de
Pedro Fernández de Castro, dito da Guerra, camareiro-mor de Afonso XI de
Castela e primo direito do futuro rei de Portugal, e de uma dama de nome
Aldonza Suárez Valadares (este era um dos motivos para o impedimento do
casamento entre Inês de Castro e o infante Pedro, ou seja, por ser comadre de Pedro,
madrinha do infante Luís, para além dos laços familiares que os uniam; Inês de
Castro era sobrinha do infante Pedro, pois ela era filha do primo co-irmão de
Pedro. dona Beatriz e dona Violante Sanchez eram irmãs, filhas do dito rei Sancho,
mesmo que não fossem da mesma mãe; dona Violante era filha de Sancho com dona
Maria Afonso, mulher de Garcia D’Uzeiro; esta Violante foi mãe de Pedro de Castro,
que se chamou da Guerra; dona Inês de Castro era filha deste, logo era sobrinha
do infante Pedro por parte de pai; estes impedimentos foram referenciados na
argumentação do doutor João das Regras).
É sobejamente conhecido o
relacionamento amoroso que, desde cedo, envolveu Pedro e Inês de Castro e do
qual nasceram João, Dinis e Beatriz. Esta era, por motivos óbvios, uma situação
que nada agradava a Afonso IV que acabou por obrigar dona Inês a retirar-se para
Castela, onde se conservou até à morte de dona Constança, em 1348-1349. Porém,
logo que a princesa faleceu, Pedro fez regressar Inês de Castro, com quem
passou a viver maritalmente. O infante procurou mesmo casar-se, pelo que em
1351, tentou obter do papa uma bula de dispensa de parentesco. Talvez este
facto tenha alarmado ainda mais Afonso IV, bem como a alta nobreza cortesã,
nada interessada na interferência dos poderosos Castros castelhanos no jogo de
influências local. Além disso, temiam que os filhos bastardos de Pedro
requeressem a legitimidade para herdar o trono português, pondo em causa a
sucessão do herdeiro legítimo, Fernando. Os Castros, por seu lado, tinham
apostado seriamente nessa relação, pois estavam em rebelião contra Pedro I de
Castela, no trono desde 1350, e tentavam, também, prometendo-lhe a coroa
castelhana, obter o apoio político e militar do infante e futuro rei». In Sara
Loureiro, O Conflito entre Afonso IV e o infante Pedro (1355-1356), Cadernos do
Arquivo Municipal de Lisboa, 1ª Série, nº 7.
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