segunda-feira, 5 de agosto de 2019

O Jornal 57. História e Memória. Álvaro Costa Matos. «Esta conhece nesta altura uma evolução não menos importante, quer pela consolidação de muitas revistas e jornais, quer pela dinâmica provocada pelo aparecimento de novas publicações periódicas»

Cortesia de wikipedia e jdact

«O jornal 57 surge num ano, 1957, que, no que à imprensa periódica diz respeito, foi um ano historicamente importante. Hoje é até reconhecido pelos especialistas como um ano de viragem, em grande medida protagonizada pelo Diário Ilustrado, que aparece em finais de 1956. Se isto é verdade para a chamada imprensa de referência, para os principais jornais diários portugueses, também o é para a imprensa literária. Esta conhece nesta altura uma evolução não menos importante, quer pela consolidação de muitas revistas e jornais, quer pela dinâmica provocada pelo aparecimento de novas publicações periódicas, ao ponto de se detectar uma efervescência cultural de certo modo atípica, num país sujeito a um regime autoritário, autocrático, que fazia da censura à liberdade de expressão uma das suas traves-mestras. Estas revistas, por sua vez, representavam movimentos políticos, literários, estéticos ou mesmo filosóficos, sendo, portanto, da maior importância conhecê-las para uma melhor contextualização da época que aqui nos interessa, e que enquadra o nosso jornal, o 57.
A Vértice era o órgão por excelência do Neo-Realismo. Representava a militância, a literatura de compromisso, da arte empenhada. Protagonizou importantes tomadas de posição no plano cívico e político, congregando, desde o início (Maio de 1942), uma parte considerável da oposição democrática ao regime, atitude que manteve até 1974. Mas além da Vértice tínhamos a Serpente, de 1951, e as Notícias do Bloqueio, também criada em 1957, e que durou até 1961, ainda que estas duas publicações já representassem a segunda vaga neo-realista. O Globo (1943-1959), o conjunto de cinco números Unicórnio, Bicórnio, Tricórnio, Tetracórnio e Pentacórnio (1951-1956), de José Augusto França, a Anteu (1954) e a Pirâmide (1959) veiculavam as propostas estético-literárias do Surrealismo, movimento que tenta verter para a cultura portuguesa o compromisso com a fealdade, como arma contra a cultura burguesa e as suas formas de censura estética, moral, etc. A Panorama (1941-1973), a Atlântico (1942-1959), ambas editadas pelo Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), a Cidade Nova (1941-1961), o Esmeraldo (1954-1956), a Ocidente (1935-1971; 1977-1995) e a Cidadela (1956-1957) defendiam o regime ou um sistema de valores condizente com os do regime: patrióticos, nacionalistas, conservadores e católicos. Algumas destas revistas, como vimos, são mesmo editadas por instituições do Estado Novo. A Ocidente, com a direcção de Manuel Múrias, foi uma apoiante incondicional do salazarismo (não agradável), defensora de um nacionalismo activo, exacerbado, fortemente empenhado, a par da apologia (supremacia) da cultura ocidental sobre todas as outras. A Tempo Presente, revista portuguesa de cultura, que saiu de 1959 a 1961, representava o fascismo puro e duro (maldito), situando-se assim à direita do próprio regime. Segundo Eduardo Lourenço, era o texto fascista em ambiguidade, traduzindo um fascismo nostálgico, duvidoso do regime de Salazar, crítico da decadência das suas instituições e da decrepitude ideológica e política dos dirigentes do Estado Novo. Nas suas páginas, assumiam-se como (…) universalistas, hierarquizadores, totalitariamente compreendentes, intolerantes para o erro, ultrapassantes e dinâmicos. À esquerda do regime tínhamos, além da Vértice, já aqui referida, a Seara Nova, que surge em 1921, ligada à esquerda progressista, republicana, liberal, a Rumo, dos católicos, e a revista O Tempo e o Modo, publicada entre 1961 e 1977, adepta de uma democracia cristã e de um socialismo humanista, isto até à saída de António Alçada Baptista, em Fevereiro de 1969. A partir daqui a revista sofre uma profunda reorientação, no sentido maoísta, e que se traduz também numa oposição mais tenaz ao regime. Depois, existia ainda um conjunto de revistas que testemunhavam o incremento que os estudos filosóficos conheciam nesta altura, tanto dentro como fora da universidade. São disso exemplo, a Revista Portuguesa de Filosofia, da Faculdade de Filosofia de Braga, talvez a mais importante, a Revista Filosófica (1951-1958), fundada e dirigida por Joaquim Carvalho, a Revista da Faculdade de Letras, de Lisboa, a Colectânea de Estudos, Itinerarium a partir de 1955, dos Franciscanos, e a revista Filosofia (1954-1961), órgão do Centro de Estudos Escolásticos de Lisboa. O interesse pelos temas filosóficos em geral, e especificamente portugueses, este ambiente verdadeiramente filosófico, talvez explique o aparecimento do último jornal deste breve inventário, o 57, órgão do Movimento 57, por sua vez inserido no movimento mais amplo da Filosofia Portuguesa. É sobre este jornal que agora nos vamos deter, ou melhor, sobre a sua história e memória». In Álvaro Costa Matos, O Jornal 57. História e Memória, 2008, Coordenador da Hemeroteca Municipal de Lisboa e Investigador do Centro de Investigação Média e Jornalismo, Wikipedia.

Cortesia de Wikipedia/JDACT