Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Para entender esse fenómeno
do apelo teatral dos seus textos em prosa, é preciso mergulhar na leitura deles
e perceber o quanto o seu processo de composição mais nuclear, a saber, o fluxo
de consciência, recebe um tratamento marcadamente dramático que tem menos a ver
com uma personagem ensimesmada, cujos pensamentos vão-se construindo ou
improvisando mentalmente, que com uma geração contínua de personagens que se
desdobram em confronto contínuo. Além disso, tais confrontos de personagens
proliferantes dão-se no âmbito de cenários económicos e sistemáticos, quase
abstratos, o que os afasta bastante da representação realista. Já comentei esse
aspecto dramático da literatura de Hilda em outros textos, mas, melhor do que
eu o fiz, procurou evidenciá-lo a tese de doutoramento de Sonia Purceno, ainda
inédita em livro, mas passível de ser interpretada on line na Biblioteca da Unicamp. A tese convincentemente
demonstra a existência em Fluxo-floema,
O caderno rosa de Lori Lamby e
em outros textos de ficção, do forte movimento dialógico do fluxo, sustentado
por personagens antagónicos e cenários compostos de recintos confinados, mas
invariavelmente com escapes estreitos para cima e para baixo. Ou seja, a
dramaturgia de Hilda tem se alimentado da sua ficção, mas sua dramaturgia
propriamente dita, como disse antes, permanece num limbo tão obscuro como o de
suas crónicas.
A
Possessa e O Verdugo (Éder Rodrigues e Sara Rojo)
Os três últimos anos da década de
1960 (1967 a 1969) indicaram uma dedicação exclusiva do trabalho literário de
Hilda Hilst à escrita dramática. Período em que a produção artística brasileira
reflectia, de forma directa ou indirecta, o violento processo ditatorial. Nesse
momento, o teatro e outras expressões artísticas sofriam com a censura e a
repressão iniciada com o golpe militar de 1964. Na ratificação extrema do
exercício opressivo com a proclamação do AI-5, a actividade teatral tornou-se
um dos alvos de intervenção militar. A cena brasileira foi então tomada por
grupos como o Teatro Opinião, o Teatro Oficina e o Teatro Arena, que exerciam a
sua práxis numa corrente de afronta, resistência e posicionamento diante do
contexto. Nessa época se efectiva uma dramaturgia de impacto ante a situação vivida
pelo país (Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, Dias
Gomes, Plínio Marcos, dentre outros). Segundo o estudo de Elza Cunha Vincenzo
na obra Um teatro da mulher (1992), também foi nesse período que
surgiram os pilares do que se pode denominar como dramaturgia feminina
nacional:
Nesse momento temos uma postura
feminina bem modificada em relação à que a mulher costumava, em geral,
manifestar em outras formas de expressão literária. Ela, agora, revela
nitidamente uma consciência e uma sensibilidade atentas ao momento social, à
deterioração das estruturas básicas da sociedade.
O teatro hilstiano está inserido
nesta tomada de posição e remonta aos anos opressivos da ditadura no Brasil.
Ele também está conectado com as actividades do teatro universitário da época e
com o pensamento de cunho social como protagonista da cena, conforme a própria
dramaturga afirma em entrevista concedida: o meu teatro é como a CASA dentro de
cada um de nós; CASA que não existe para morar, mas para ser pensada. Desse
modo, a escrita dramatúrgica de Hilst tem como foco o poder subversivo que a
palavra congratula em contacto com o acto que a força cénica lhe agrega. É uma
palavra de força política, com suspensão existencial diante das questões
humanas e sociais que inquietam tanto o sentido individual quanto a colectividade».
In
Nilze Maria Azevedo Reguera Susanna Busato, Em Torno de Hilda Hilst, Editora
UNESP, 2015, ISBN 978-856-833-469-0.
Editora UNESP/JDACT