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Amavisse
[…]
«Será que apreendo a morte
Perdendo-me a cada dia
No patamar sem fim do sentimento?
Ou quem sabe apreendo a vida
Escurecendo anárquica na tarde
Ou se pudesse
Tomar para o meu peito a vastidão
O caminho dos ventos
O descomedimento da cantiga.
Será que apreendo a sorte
Entrelaçando a cinza do morrer
Ao
sémen da tua vida?
Empoçada de instantes, cresce a
noite
Descosendo as falas. Um poema
entre-muros
Quer nascer, de carne jubilosa
E longo corpo escuro. Pergunto-me
Se a perfeição não seria o não
dizer
E deixar aquietadas as palavras
Nos nocturnos desvãos. Um poema
pulsante
Ainda que imperfeito quer nascer.
Estando sobre a mesa o grande
corpo
Envolto na sua bruma. Expiro amor
e ar
Sobre as suas ventas. Nasce
intensa
E luzente a minha cria
No
azulecer da tinta e à luz do dia.
De grossos muros, de folhas
machucadas
É que caminham as gentes pelas
ruas.
De dolorido sumo e de duras
frentes
É que são feitas as caras. Ai,
Tempo
Entardecido de sons que não
compreendo
Olhares que se fazem bofetadas,
passos
Cavados, fundos, vindos de um
alto poço
De
um sinistro Nada. E bocas tortuosas
Sem palavras.
E o que há de ser da minha boca
de inventos
Neste entardecer. E o do ouro que
sai
Da
garganta dos loucos, o que há de ser?»
Via
Espessa
«De cigarras e pedras, querem
nascer palavras.
Mas o poeta mora
A sós num corredor de luas, uma
casa de águas.
De mapas-múndi, de atalhos,
querem nascer viagens.
Mas o poeta habita
O campo de estalagens de loucura.
Da carne de mulheres, querem
nascer os homens.
E
o poeta preexiste, entre a luz e o sem-nome».
[…]
Hilda Hilst, Obra Poética Reunida (1950-1996), 1998, organização Costa
Duarte, Literatura brasileira século XX, Wikipédia.
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