Cortesia
de wikipedia e jdact
A
Biblioteca Universal
«(…)
Dá também
a entender que era aquele Aristeu autor de um livro chamado Quem são os judeus, então
em circulação, totalmente baseado, assegura ele, em informações de sacerdotes
egípcios, exactamente como o excurso das Histórias
do Egipto de Hecateu de Abdera. E, enfim, também tenta dessa
maneira, mas aqui é realmente difícil dar-lhe crédito, fazer-se passar por um gentio.
Em casos do género, como se sabe, é difícil avaliar se as expressões que falam
em colaboracionismo são exageradas e injustas ou se, pelo contrário, contêm uma
parcela de verdade. Evidentemente, se se raciocinasse pelo critério, que a
alguns parece útil, dos resultados obtidos, teríamos de dizer que a iniciativa
então amadurecida foi, para os judeus, das mais favoráveis. Mas também não se
pode ocultar a vantagem que os dominadores acabavam tendo, por conhecerem
melhor os seus súditos. Ao dizer que também os livros da lei hebraica mereciam
ser traduzidos para o grego, Demétrio estava implicitamente afirmando que este
não era o primeiro trabalho do género que se faria na biblioteca. De cada povo,
informa um tratadista bizantino, recrutaram-se doutos que, além do domínio
sobre a sua língua, conheciam profundamente o grego; a cada grupo foram confiados
os respectivos textos, e assim preparou-se uma tradução grega de tudo. A tradução
dos textos persas atribuídos a Zoroastro, com mais de 2 milhões de versos, era lembrada,
mesmo séculos depois, como um empreendimento memorável. Na época de Calímaco,
que compilava os catálogos dos autores gregos divididos por armários, Hermipo, seu
aluno, pensou em imitá-lo, e talvez intimamente quisesse superá-lo, preparando
os índices desses 2 milhões de versos, diante dos quais as poucas dezenas de
milhares de hexémetros da Ilíada
e da Odisséia pareciam
minúsculos breviários. Esses doutos foram os únicos, num certo período da história
da biblioteca, a usufruir da visão deslumbrante, que viria a ser o sonho de
escritores fantásticos, dos livros de todo o mundo.
Ânsia de totalidade e vontade de domínio, não
diversas do impulso que, segundo as palavras de um antigo retórico, levava
Alexandre a tentar ultrapassar os confins do mundo. E também se dizia que ele
pretendera uma biblioteca de dimensões imponentes em Nínive, para a qual mandara
preparar traduções dos textos caldeus. Portanto, o objectivo almejado pelos
Ptolomeus e executado pelos seus bibliotecários não era apenas a aquisição dos
livros do mundo inteiro, mas também a sua tradução para o grego. Naturalmente,
podiam ser reelaborações e compêndios em grego, como, por exemplo, as Histórias egípcias de
Maneton, um sacerdote oriundo de Sebenito (uma região do Delta) e actuante em
Heliópolis. Maneton reelaborou dezenas e dezenas de fontes, rolos conservados
nos templos, listas de soberanos e suas proezas, tal como fizera Megástenes,
embaixador do rei Seleuco da Síria na corte indiana de Pataliputra, com tantas fontes
indianas. Com as armas dos macedónios, em poucos anos os gregos tornaram-se a
casta dominante em todo o mundo conhecido: da Sicília à África do Norte, da península
balcânica à Ásia Menor, do Irão à Índia e ao Afeganistão, onde se detivera Alexandre.
Os gregos não aprenderam a língua dos seus novos súbditos, mas compreenderam
que, para dominá-los, era preciso entendê-los, e que para entendê-los era
necessário traduzir e reunir os seus livros. Assim nasceram bibliotecas reais
em todas as capitais helénicas: não apenas como factor de prestígio, mas também
como instrumento de dominação. Nessa obra sistemática de tradução e aquisição,
coube um lugar de destaque aos livros sagrados dos povos dominados, por ser a religião,
para quem pretendia governá-los, como que a porta de suas almas.
Deixo
os livros para Neleu
Quando morreu Teofrasto, num ano entre 288 e 284
a.C., descobriu-se no seu testamento uma cláusula bastante estranha: deixo
todos os livros para Neleu. Aos outros alunos deixava como herança o jardim
e a alameda coberta, e os edifícios próximos ao jardim. (Isso lhe era possível
graças a Demétrio, que, como senhor de Atenas, conseguira que Teofrasto, mesmo
não sendo cidadão ateniense, entrasse finalmente em posse do terreno onde se
situava a escola). Os livros, pelo contrário, destinavam-se apenas a Neleu. Porque
esse privilégio, e que livros eram? Neleu, natural da cidadezinha asiática de
Scepsi, na Tróade, então era provavelmente o último aluno vivo de Aristóteles». In Luciano Canfora, A Biblioteca
Desaparecida, Histórias da Biblioteca de Alexandria, 1986, Companhia das
Letras, 1989,ISBN 978-857-164-051-1.
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