Cortesia
de wikipedia e jdact
O
Áugure
«(…) O mestre indicou o
pergaminho que encabeçava aqueles papéis. Nele, em caracteres grandes escritos
com tinta vermelha, lia-se o enigma que continha a assinatura de nosso
informante. Eu o havia visto muitas vezes, fechava cada uma das cartas do Áugure;
mas, até esse momento, não lhe havia dado atenção. A minha vista quis se
ofuscar ao pairar sobre aquelas sete linhas e sentir que se haviam transformado
no meu principal problema. Diziam:
Oculos ėjus ḋinumera,
ṡed noli voltum ȧdspicere.
In latere nominis
mei notam rinvenies.
Contemplari et contemplata
aliis ṫradere.
Veritas
Naturalmente, obedeci, que outra
coisa podia fazer? Cheguei a Milão passada a noite dos Reis Magos. Era uma
dessas manhãs de sábado nas quais o brilho da neve nos cega e o ar limpo esfria
sem piedade as nossas entranhas. Eu havia cavalgado sem descanso para chegar a
meu destino, dormindo três a quatro horas em pousadas nauseabundas, intumescido
e húmido em razão de uma viagem de três dias no meio do Inverno mais cruel de
que tinha lembrança. Mas nada disso importava. Milão, a capital da Lombardia, a
sede de intrigas palacianas e disputas territoriais com a França e os condados
vizinhos, sobre a qual eu tanto havia estudado, já descansava aos pés da minha
montaria. O lugar era impressionante. A cidade dos Sforza, a maior ao sul dos
Alpes, ocupava o dobro da extensão de Roma; oito grandes portas franqueavam uma
muralha impenetrável que contornava uma urbe de planta redonda que, vista do céu,
devia parecer o escudo de um guerreiro gigantesco. Contudo, não foram as suas defesas
que me impressionaram: aquele era um burgo novo, limpo, que transmitia uma
intensa sensação de ordem. Os cidadãos não urinavam em cada esquina, como em
Roma, nem as prostitutas assaltavam os transeuntes, oferecendo-se. Ali, cada
canto, cada casa, cada edifício público parecia pensado para uma função suprema.
Até a sua orgulhosa catedral, de aspecto frágil e esquelético, oposta em tudo
aos maciços edifícios do Sul italiano, derramava as suas benéficas influências sobre
o vale. Vista das colinas, Milão parecia o último canto do mundo onde pudessem
se arraigar a desordem e o pecado». In Javier Sierra, A Ceia Secreta, 2013,
Editora Planeta, 2014, ISBN 978-854-220-327-1.
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