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de wikipedia e jdact
O Sangue dos Deuses
«(…)
Ao redor os senadores se empertigaram mais um pouco, muitos levantando as mãos
ensanguentadas que antes haviam estado apertadas e escondidas junto ao corpo. Brutus
olhou de novo para Cássio, e desta vez sua expressão foi afável. Eu fiz a minha
parte, senador. Você deve fazer o resto. Conduza os homens pequenos e dê cada
passo com cuidado, caso contrário seremos caçados. Cássio fez que sim, dando um
sorriso torto. Eu tenho os votos, general. Tudo está combinado. Vamos entrar
livres e seremos homenageados. Brutus olhou intensamente o senador que
carregava nas mãos o futuro de todos eles. Cássio era um homem de vigor, sem
fraqueza evidente. Então nos guie, senador. Estarei às suas costas. A boca de Cássio
se firmou com a suspeita de uma ameaça, mas ergueu a cabeça e desceu para o
coração de Roma. Enquanto se aproximavam do Senado, Brutus e Cássio escutaram
vozes exaltadas, um leve rugido de som indisciplinado. A grande porta dupla de
bronze estava aberta, e uma voz se erguia acima das outras. O ruído se
desvaneceu no silêncio.
Brutus tremeu ao pisar nos
degraus, sabendo que as poucas horas que restavam antes do meio-dia estariam
entre as mais importantes de sua vida. Eles tinham o sangue de César nas mãos.
Bastaria uma palavra errada ou um acto impensado e o deles seria derramado
antes do pôr do sol. Olhou para Cássio e se tranquilizou de novo com a confiança
do outro. Não havia dúvidas no senador. Ele tinha trabalhado longa e duramente
por aquele dia. Dois legionários ficaram em posição de sentido enquanto Cássio
e Brutus subiam a escadaria. Os soldados estavam perplexos e hesitaram quando o
senador levantou a mão direita ensanguentada, certificando-se de que a vissem, antes
de inclinar a palma, num gesto incluindo Brutus. O general Brutus é meu
convidado, anunciou Cássio, com a mente já nas pessoas que estavam lá dentro.
Ele terá que deixar o gládio aqui
fora, senhor, respondeu o soldado. Algo no modo como Brutus olhou para ele o
fez baixar a mão para o punho da sua arma, mas Cássio deu um risinho. Ah,
entregue-a, Brutus. Não deixe o sujeito sem graça. De má vontade, Brutus
desamarrou a bainha da arma, de forma que não desembainhasse a lâmina e
amedrontasse o soldado. Entregou a espada e foi alcançar Cássio, subitamente
sentindo-se com raiva, mas não poderia dizer exactamente o motivo. Júlio nunca
fora parado à porta daquele prédio. Era irritante ser lembrado da sua falta de
status no instante do triunfo. Na sede do Senado, Brutus não passava de um
oficial de Roma, um homem importante sem posto civil. Bom, isso poderia ser
consertado. Agora que César estava morto, todos os fracassos e reveses da sua
vida poderiam ser consertados. Mais de quatrocentos homens haviam-se espremido
na sede do Senado naquela manhã, os corpos aquecendo o ar, de modo que havia
uma diferença perceptível do lado de dentro, apesar das portas abertas. Brutus
procurou rostos que reconhecesse. Conhecia a maior parte, após muitos anos ao
lado de Júlio, mas um rosto novo atraiu seu olhar. Bíbilo. Anos antes o
sujeito havia estado com César, trabalhando como cônsul, porém algo acontecera
entre eles e Bíbilo nunca mais havia aparecido no Senado. Seu retorno súbito
dizia muitíssimo sobre a mudança de poder, e sobre quantos já sabiam. Brutus
viu que Bíbilo tinha envelhecido terrivelmente nos anos de isolamento. Havia
engordado ainda mais, com bolsas escuras e inchadas por baixo dos olhos e uma
teia de vasos sanguíneos partidos nas bochechas. As papadas estavam esfoladas e
vermelhas como se ele tivesse se barbeado pela primeira vez em meses. O olhar
do sujeito era febril, e Brutus se perguntou se andara bebendo, já comemorando
a morte de um velho inimigo.
Não parecia que a notícia dada
por Cássio causaria muito choque naquela câmara. Um número grande demais de
senadores tinha expressões presunçosas e sagazes, trocando olhares e acenando
uns para os outros como virgens compartilhando um segredo. Brutus desprezava
todos, odiava-os pelos seus modos afectados e o seu pomposo sentimento de
importância. Tinha visto o Egipto, a Espanha e a Gália. Havia lutado pela República,
assassinado por ela, enquanto eles permaneciam sentados e falavam por dias e
dias sem entender nada dos homens que sangravam por eles no campo de batalha.
Cássio
se aproximou da tribuna. Antigamente havia sido um artefacto do poder romano,
esculpida a partir da proa de um navio de guerra de Cartago. Aquela versão fora
queimada em tumultos e, como tantas outras coisas no prédio, agora era apenas
uma cópia inferior. Brutus levantou os olhos para o homem parado atrás dela e
se imobilizou. Percebeu que havia sido objecto de um frio escrutínio desde que
entrara na câmara». In Conn Iggulden, O Imperador, O Sangue dos Deuses,
2013, Editora Record, 2014, ISBN 978-850-140-381-0.
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