quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Sua Santidade. As Cartas Secretas. Gianluigi Nuzzi. «… o mordomo do Papa, Paolo Gabriele, de 43 anos, cristão e católico, cadastro 1impo. Desde 2006 que Gabriel é a sombra do Papa, atento a cada necessidade»

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Como o Vaticano Vendeu a Alma
«Descendo as escadas do avião que o levava até Roma, Ettori Gotti Tedeschi, o presidente do IOR, número um do banco do Papa, próximo da Opus Dei, parou por um momento e virou-se. Inclinou o rosto, levantou o queixo e olhou-me, com os lábios num trejeito de confiança. As suas palavras eram quase imperceptíveis. Vês?, sussurrou, para que os outros não ouvissem, no Vaticano acreditamos de tal forma na transparência que, introduzindo o crime de lavagem de dinheiro, reestruturámos também as antigas celas em desuso debaixo da esquadra. Assim, se alguém for preso, temos também o lugar onde mantê-lo. Gotti fitou-me, satisfeito, convencido de me ter dado um argumento invencível. Na verdade, não se apercebeu de que tinha revelado uma enorme ingenuidade. No Vaticano não há, efectivamente, uma prisão. No caso de capturado e preso, a Polícia deve deter o sujeito, identificá-lo, conduzir a primeira investigação e, em seguida, entregá-lo à Polícia italiana, como previsto nos acordos internacionais. A ideia de reestruturar celas em desuso responde, então, a uma lógica precisa: para crimes económicos odiosos, como a lavagem de dinheiro, parece ser vontade do Vaticano criar condições para manter o suspeito detido, em detrimento de entregá-lo à Justiça italiana. Jamais, poderia assustar alguém com intenções menos próprias, um acusado de lavagem de dinheiro no impenetrável IOR deve confrontar-se com as mil perguntas dos juízes italianos, sempre demasiado curiosos.
Na verdade, ambos errávamos. Depois de algumas semanas, àquelas celas não foi parar nenhum lavador de dinheiro mas sim um dos poucos membros da família papal: o mordomo do Papa, Paolo Gabriele, de 43 anos, cristão e católico, cadastro 1impo. Desde 2006 que Gabriel é a sombra do Papa, atento a cada necessidade, cada suspiro, cada desejo. De manhã à noite, segue-o em todas as deslocações para lhe oferecer ajuda nas actividades diárias: Gabriele serve à mesa, acompanha Bento XVI nas suas viagens pelo mundo, fica no papamóvel, sempre disponível. Foi preso sob a acusação de me passar os documentos inéditos e explosivos que irão encontrar neste livro. Sobre isto não posso dizer nada, obviamente, pela tutela absoluta que o código deontológico dos jornalistas impõe sobre as fontes que contribuem para a investigação e inquérito. Não posso sequer negar que é ele. Se o fizesse, contribuiria na identificação das muitas pessoas que me ajudaram a saber o que está a acontecer para lá da colunata de São Pedro. Não esperava, contudo, que o Vaticano chegasse a prender alguém por suspeita de passar informações aos jornalistas. O Vaticano, de facto, não é um Estado qualquer. No Vaticano não se prende ninguém porque, na pequena comunidade que vive neste microscópico Estado de 44 km2, não se cometem crimes. O que é verdade ou não, pouco importa: importe que, ali, as celas são desnecessárias e, caso suceda o contrário, pode sempre recorrer-se ao sistema de justiça italiano, a quem confiamos os criminosos. Isto, pelo menos, até recentemente, uma vez que nem sequer existiam as celas para a detenção.
Às únicas excepções são os pequenos roubos nos museus e, no caso de excêntricos, os arruaceiros que procuram a atenção da Comunicação Sociai, aproveitando os holofotes sempre ligados na Praça de S. Pedro para protestos de todos os tipos. Em casos especiais, activa-se a máquina de segurança para evitar qualquer contacto com o Papa, após o que o director dos serviços de segurança, Domenico Giani, elabora um relatório, que é entregue ao secretário do Papa. Exemplo disso deu-se há alguns meses, a 25 de Outubro de 2011, quando, durante a celebração eucarística presidida pelo Papa Bento XVI, no pátio da Praça de S. Pedro, um estranho escalou os andaimes por trás da colunata direita ao lado da loja da Dante, ameaçando matar-se. É um caso bastante específico». In Gianluigi Nuzzi, Sua Santidade, As Cartas Secretas de Bento XVI, Como o Vaticano Vendeu a Alma, 2012, Bertrand Editora, 2012, ISBN 978-972-252-521-3.

Cortesia de BertrandE/JDACT