Cortesia
de wikipedia e jdact
«O
dia que iria mudar a vida da professora Emily Wess começou de forma bastante
banal. Não havia indícios de tragédia, nenhum sinal de urgência no modo como
ela tinha começado a mesma rotina matinal que mantinha todos os dias durante o
semestre lectivo. Tinha feito a sua corrida, dado a sua aula, comprado seu café
da manhã. Mesmo assim, enquanto o pesado ar de Outono que respirava todas as
manhãs no campus do Carleton College passava pelas suas narinas, sentia que
havia algo errado. Alguma coisa, que não sabia definir completamente, fez
arrepiar a sua pele quando ía da sala de aula para o seu gabinete. O dia tinha
um aspecto estranho, um jeito incomum que ela não conseguia descrever. Bom-dia,
pessoal, disse ao surgir do corredor central do Leighton Hall, um edifício de
três andares onde ficava o Departamento de Religião. Dirigiu-se para a porta
que conduzia a seu gabinete. Este fazia parte de um grupo de salas dispostas em
torno de um pequeno espaço comum ao qual se tinha acesso por uma porta, que, não
fosse por isso, não chamaria muito a atenção. Quatro outros professores tinham
gabinetes no mesmo espaço. Eles, mais um colega, estavam de pé num dos cantos
quando Emily entrou.
Ela sorriu, mas o grupinho estava
completamente absorto numa conversa meio sussurrada. Depois de um período mais
longo que o habitual, um olá emergiu em resposta vindo de alguém do
grupo, mas ninguém se voltou para a cumprimentar. Foi nesse momento que tomou
consciência de uma atmosfera estranha que estivera presente durante toda a manhã
e que até aquele momento não tinha captado completamente a sua atenção. Um silêncio
esquisito tomava conta dos corredores. Os eus colegas entreolhavam-se
obliquamente e tinham expressões preocupadas. Apanhando as chaves dentro da
bolsa, Emily parou em frente a um conjunto de escaninhos e esvaziou o conteúdo
do seu, uma braçada de correspondência: lixo postal que havia deliberadamente
deixado acumular por duas semanas. Achava um aborrecimento fazer aquilo todos os
dias. Continuava a ouvir as vozes abafadas dos colegas atrás dela. Olhou por sobre
os ombros no momento em que encaixava uma chavinha na porta do seu gabinete. Um
dos zeladores encontrou-o esta manhã, disse uma voz baixa, deliberadamente
sussurrada, que Emily pôde entreouvir. Não dá pra acreditar, disse outra voz. Tomei
café com ele ontem mesmo.
Maggie Larson, a professora de Ética
Cristã que fizera a última observação, tinha uma expressão sóbria no rosto. Não,
pensou Emily consigo quando olhou com mais atenção. Ela parece perturbada. A sua
curiosidade se aguçou quando ela percebeu que perturbada também não era a
palavra certa. Não, ela parece amedrontada. Emily deixou a chave na posição em
que estava na fechadura e virou-se para os colegas. Algo estava absorvendo a
atenção deles. Algo que não parecia, ou não soava, bem. Me desculpem, não quero
parecer mal-educada, mas o que está acontecendo?, perguntou, dando um passo na
direcção deles. Aquela estranha atmosfera de tensão ia ficando mais densa a
cada palavra, mas Emily não sabia de que outra maneira poderia se inserir na
conversa deles, já que não sabia de nenhum detalhe, nem mesmo sabia qual era o
assunto.
Os outros, entretanto, não
pretendiam mantê-la desinformada. Acho que ainda não está sabendo, respondeu
uma colega. Aileen Merrin era professora titular da cadeira de Novo Testamento.
Ela também fora membro da banca que seleccionara Emily quando ela se candidatou
ao seu cargo quase dois anos antes, e Emily, desde essa época, nutria um carinho
por ela. Emily esperava que, quando chegasse a época, ficasse tão bem de cabelos
grisalhos quanto Aileen. Com certeza não, disse Emily tomando um gole de café
frio de um copinho descartável. Feito havia mais de uma hora, tinha ficado ruim
de beber, mas o acto de erguer o café até aos lábios ajudava a disfarçar o embaraço
daquele momento com algo um pouco mais normal. Sabendo de quê? Conhece Arno
Holmstrand, da História?
Claro, respondeu Emily. Todos
conheciam o professor que era o baluarte do Departamento de História. Mesmo que
Emily não pertencesse aos dois departamentos, o de História e o de Religião,
ainda assim conheceria o académico mais famoso e eminente da faculdade. Ele
descobriu algum outro manuscrito perdido? Ou foi expulso de algum país do Médio
Oriente por ter violado as leis da escavação arqueológica? A seu ver, todas as
vezes que se fazia menção ao nome de Holmstrand, era no contexto de alguma
importante descoberta ou aventura académica. Ele não levou a faculdade à falência
com mais uma de suas viagens, né? Não, ele não fez nada disso, disse Aileen,
que de repente assumiu uma expressão de mal-estar. Sua voz se transformou num
sussurro: ele está morto.
Morto!?, perguntou Emily, forçando
levemente a sua entrada no grupo com um empurrãozinho, abalada com a notícia. De
que estão falando? Quando? Como? Ontem à noite. Acham que ele foi morto, aqui
no campus. Eles não acham, eles têm a certeza, interpôs Jim Reynolds, um especialista
em Reforma Protestante. Foi assassinado. Três tiros bem no peito; foi isso que
ouvi. Estava à mesa do gabinete. Trabalho de profissional». In A.
M. Dean, A Biblioteca Perdida, 2012, Editora Prumo, 2012, ISBN
978-857-927-298-1.
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