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«O
velho de olhar glacial atravessou o átrio em passo firme e aproximou-se do
dispositivo de controlo de acesso ao complexo do CERN. Não se recordava de ver
todo aquele aparato de segurança quando ali escrevera da úlma vez, mas umas
bandeirinhas tricolores ao canto lembraram-lhe que o presidente francês deveria
visitar as instalações na semana seguinte. Fucking Frenchies..., rosnou entre dentes. Rabujando de
desagrado, ignorou o tapete rolante onde deveria depositar os objectos
metálicos que trazia no bolso para a inspecção de segurança por raios X. Em vez
disso dirigiu-se directamente aos torniquetes de passagem e só se deteve diante
do detector de metais. Ficou então imóvel, quase uma estátua, apenas o
movimento impaciente dos dedos e dos olhos azuis frios e perscrutadores a darem
sinal de vida. Um segurança suíço fez-lhe um gesto para avançar. O visitante
deu dois passos em frente e, atento ao nome Jean-Claude Bloch que o segurança
trazia no crachá pregado ao peito, cruzou o detector. Soou nesse momento um
sinal de alarme e acendeu-se uma luz vermelha sobre a máquina. O recém-chegado
trazia metais. Com um scanner na mão, Jean-Claude aproximou-se do homem de
olhos azuis. Levante os braços, por favor. O idoso obedeceu e o segurança
colou-lhe o scanner às ancas. De imediato o engenho emitiu um zumbido. O visitante
meteu as mãos ao bolso e, com um sorriso sem humor, como uma criança apanhada a
roubar chocolates da despensa, extraiu os objectos metálicos que ali trazia. São
apenas as chaves, umas moedas e o telemóvel, murmurou. Nada de especial, como
vê. Jean-Claude olhou-o reprovadoramente e, com uma ponta de irritação a
trepar-lhe no tom de voz, indicou o tapete rolante da máquina de raios X. Da
próxima vez que cá vier ponha os metais ali, se não se importa. Isso facilitar-nos-ia
a tarefa.
O desconhecido rezingou qualquer
coisa imperceptivel e Jean-Claude, indiferente e compenetrado na sua tarefa, retomou
a revista com o scanner de metais. Verificou as pernas, mandou o recém-chegado tirar
os sapatos e inspeccionou-os também. Depois colou-lhe o engenho aos ombros e
aos braços. Quando chegou ao peito o scanner voltou a emitir um zumbido. Damn!,
praguejou o velho, contrariado. Esqueci-me da minha fucking amiguinha. Meteu a
mão por baixo do casaco e retirou um objecto metálico colado à camisa. Os olhos
do segurança arregalaram-se de susto ao reconhecer o objecto na mão do
visitante. Uma pistola. Jean-Claude deu um salto para trás, o alarme estampado
no rosto e na postura do corpo, e com um movimento rápido extraiu do coldre a
sua própria arma. Freeze!, gritou, agarrando com as duas mãos uma Glock que
apontou ao idoso. Não se mexa! Alertados pela reacção do colega, os restantes
seguranças sacaram também as suas armas e viraram-nas para o visitante. A
sirene de alerta começou entretanto a soar por todo o átrio, um uivo ondulado e
urgente, e gerou-se a confusão. Algumas pessoas gritavam de pânico e outras
corriam para sair dali. Parecia ter-se desencadeado subitamente um pandemónio;
num instante estava tudo tranquilo, logo a seguir o caos generalizara-se.
Vamos lá, rapazes, não exagerem,
protestou o idoso, ainda de pistola na mão e com várias armas apontadas para
ele. É apenas o meu velho Colt, que diabo! Um cidadão honesto já não pode andar
protegido neste mundo tão violento? Quieto!, insistiu Jean-Claude, a Glock de
serviço apontada ao alvo. Baixe-se muito devagar e pouse a pistola no chão. Brandiu
a sua arma, a sublinhar o aviso. Muito devagar, ouviu? Se fizer qualquer
movimento repentino, terei de disparar. Está bem, está bem, assentou o
visitante, aparentemente pouco impressionado com toda a perturbação que se
gerara em volta dele. Conheço os procedimentos, não se preocupem. O velho
baixou-se devagar e pousou o Colt no chão. Depois voltou a erguer-se, os braços
no ar, até fitar de novo os homens que lhe apontavam as armas. Com um movimento
rápido, o segurança diante dele pontapeou a pistola para longe. Depois, já mais
tranquilo, fez com a arma um sinal a indicar o chão. Deite-se. Ponha as mãos
atrás da nuca! O desconhecido revirou os olhos de enfado. Oiça, não acha que
está a exagerar? O que se passou foi simplesmente um pequeno... Deite-se!
O visitante permaneceu um longo
instante em pé, os olhos gelados e inquisiti-vos a medirem os seguranças que lhe
apontavam as armas e a avaliarem friamente a situação, a mente a fazer cálculos
sobre a melhor maneira de proceder. Por fim suspirou, a decisão tomada, e
baixou devagar os braços. Todos esperavam que se deitasse no chão, como lhe
fora ordenado, mas manteve-se de pé, um ancião de fato azul-escuro e gravata
vermelha rodeado por seguranças que lhe apontavam armas. Não ouviu o que eu
disse?, insistiu Jean-Claude, brandindo a sua pistola. Deite-se imediatamente! Sempre
com gestos lentos e precisos, os olhos sem largarem os homens que o cercavam, o
desconhecido meteu de novo a mão no interior do casaco. Quieto!, gritou o
segurança, outra vez muito alarmado, receando que o visitante tirasse do casaco
uma segunda arma. Quieto ou disparo! Nem mais um movimento! Mas o idoso voltou
a ignorar a advertência. Inseriu os dedos no bolso interior do casaco e, sempre
sem pressas, extraiu o objecto que procurava e virou-o na direcção do segurança
que o ameaçava. Um cartão.
Apesar do nervosismo, Jean-Claude
desviou fugazmente os olhos e espreitou o cartão, primeiro a medo, depois tão
intrigado que o estudou com maior atenção. O pequeno rectângulo plastificado tinha uma
fotografia a cores do lado esquerdo a exibir um rosto, que o segurança comparou
com o do seu portador; as íris azuis frias e calculistas eram as mesmas, tal
como as rugas que lhe rasgavam os cantos dos olhos, o rosto longo e seco, o
queixo quadrado e os cabelos tão brancos que pareciam farrapos de neve. Não
havia dúvida, tratava-se do visitante. Analisou o resto do cartão. À direita
estava um círculo azul com a cabeça de uma águia no meio e em baixo um longo
código de barras. Entre a fotografia e o círculo encontravam-se os dados a identificar o titular
do cartão. No topo a informação Employee ID 1123-XO, no meio a indicação
Status: Directorate of Science and Technology, Director, e em baixo o nome e a
referência ao nível cinco de acesso de segurança». In José Rodrigues dos Santos, A Chave
de Salomão, 2014, Gradiva, 2014, ISBN
978-989-616-602-1.
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