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de wikipedia e jdact
Vaticano.
19 de Abril de 2005
«(…) Tarcísio levou tempo a
cumprir o pedido, não era uma ordem, pois Tarcísio era superior hierárquico de
William. Olha para mim, repetiu com a mesma postura endurecida. A situação
pedia acção. Tarcísio olhou por fim, com um ar abatido, derrotado. Estás concentrado
no problema quando devíamos pensar na solução. As coisas estão em andamento.
Não as podemos travar agora. Mas necessito da tua aprovação. Eu próprio
tratarei, pessoalmente, de me certificar que tudo resultará a nosso favor. Trespassou
ainda mais o olhar de Tarcísio. Estamos a fazer o que é certo. Tarcísio
libertou-se de William e virou-lhe as costas. Precisava de pensar naquelas
palavras. O momento exigia lucidez, conseguia reconhecer isso, mas estava com
dificuldade em encontrá-la. Ajuda-me
Pai. Mostra-me o caminho. Guia-me no mar calmo dos teus braços,
pediu mentalmente. William tinha razão. Braços cruzados e cabeça enfiada na
areia não resolviam nada. Era preciso mão firme e rédea muito curta. Pegou na
mão de William. Obrigado, meu bom amigo. Trouxeste-me de volta. William sorriu.
Eu não. Olhou para a estátua sofredora. Ele.
Eminência, tornou a chamar
Trevor, com temor, à entrada da capela. Não se atrevia a entrar. Tarcísio olhou
para o assistente sem demonstrar exaltação. Que se passa, Trevor? Ah... Pediu
para ser avisado quando o padre Schmidt chegasse, despejou à espera da reacção.
Irei em seguida, limitou-se a dizer. Podes voltar ao trabalho. O assistente
desapareceu quase instantaneamente da entrada da capela, não fosse o diabo,
salvo seja, estar a olhar da esquina. William transparecia constrangimento. O
que lhe vais dizer? Nada. Está aqui como meu amigo e da Igreja. Não intercedi
nem vou interceder, deliberou. Já era o Tarcísio de sempre que assumia o
controlo e a responsabilidade. O secretário imponente. Parece-me sábio. Tornou
ao assunto em mãos. Dás-me a aprovação oficial, então? Podes contar com ela. Dirigiu-se
para a porta da capela. Queria muito rever o austríaco. Jogava em duas equipas,
neste momento, esperava estar a fazer o que era certo. Assim Cristo o ajudasse.
Já temos pessoas no terreno, informou William acompanhando-o. Vou dar as ordens
finais e dou um salto à via Cavour. Tem cuidado. Tens a certeza que podemos
confiar? Não temos outra opção. Atirar um inocente aos bichos, alegou Tarcísio
pensativo. Reminiscências da consciência.
Outros o fizeram. Não te
preocupes. Estamos em guerra. Eu sei. É uma guerra santa, mas há danos que
teremos de suportar. Tudo se resolverá rapidamente. Deus te ouça, pediu Tarcísio.
Ouvirá, previu William com um sorriso. Conseguiste analisar o DVD? Algum indício?,
questionou com acanhamento. Nada. Limpo. Agora vai. Tarcísio saiu em direcção
ao seu gabinete que ficava em frente, não sem antes flectir a perna direita e
fazer o sinal da cruz, por respeito à figura pregada no madeiro do altar.
William fez o mesmo e ambos saíram em direcção aos seus necessários afazeres.
Apenas Cristo ficou, pregado na Cruz, a cabeça a descair para o lado direito e
um trejeito de sofrimento que adivinhava os próximos tempos.
A
conferência de imprensa na livraria La Feltrinelli fora muito mais calma do que
Sarah imaginara. Francesco contribuíra para isso lançando perguntas, de vez em
quando, que requeriam uma resposta mais bem-humorada, sem o peso institucional
atreito a todos os assuntos ligados à Santa Sé. Ainda que parecesse uma
intervenção indelével, contribuiu para atenuar a atmosfera de seriedade e quebrou
o gelo que se formou na sala. Sarah sentia-se grata, ainda para mais porque não
fora combinado, ela nem sabia que Francesco iria participar na conferência,
caneta e bloco de apontamentos na mão, de pé, encostado à parede, com uma aparência
calma e séria, chamando, sem querer, a atenção do quadrante feminino e algum
masculino. O sector vaticanista não marcara presença, o que era normal e
ajudara também a atenuar o ambiente. O livro em questão atacava certas pessoas
que conviveram de perto com João Paulo II e responsabilizava-as pelo atentado
de que o Santo Padre fora vítima, no dia 13 de Maio de 1981. Restavam os
jornalistas mais prestigiados dos diários e semanários de maior tiragem, La Repubblica, Corriere, Il Messagero,
que enviaram profissionais que estudavam e investigavam aquele caso, assim como
outros ligados ao Vaticano há décadas e que fizeram perguntas pertinentes e
inteligentes às quais Sarah respondeu com conhecimento de causa». In
Luís Miguel Rocha, A Mentira Sagrada, Porto Editora, 2011, ISBN
978-972-004-325-2.
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