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«(…) Tivemos
um, na verdade um sujeito muito rabugento, um gaiteiro dos Seaforth, que não
suportava injecção, especialmente nas nádegas. Passava horas no mais terrível
desconforto antes de deixar que alguém se aproximasse dele com uma seringa e,
mesmo assim, tentava nos fazer dar-lhe a injecção no braço, embora fosse
intramuscular. Ri diante da lembrança do cabo Chisholm. Ele me disse: se vou
ficar deitado de barriga para baixo, com as minhas nádegas de fora, quero que a
garota fique por baixo de mim, não atrás de mim com uma agulha! Frank sorriu,
mas pareceu um pouco apreensivo, como sempre acontecia com as minhas histórias
de guerra menos delicadas. Não se preocupe, assegurei-lhe, percebendo a sua
expressão, não vou contar essa na hora do chá na sala dos professores. O
sorriso arrefeceu e ele aproximou-se, parando atrás de mim, sentada à
penteadeira. Beijou o topo de minha cabeça. Não se preocupe, disse. Os
professores vão adorá-la, quaisquer que sejam as histórias que contar. Hum.
Seus cabelos estão com um perfume delicioso. Gosta? Em resposta, as suas mãos
deslizaram para a frente por cima dos meus ombros, segurando meus seios na
camisola fina. Eu podia ver seu rosto acima do meu no espelho, o queixo descansando
sobre minha cabeça. Gosto de tudo em você, disse com a voz rouca. Fica linda à
luz de velas. Seus olhos são como xerez no cristal e a sua pele brilha como
marfim. Uma feiticeira à luz de velas, é o que você é. Talvez eu devesse desligar
as lâmpadas permanentemente. Fica difícil ler na cama, eu disse, o coração
começando a acelerar. Posso pensar em coisas melhores para fazer na cama,
murmurou. Pode mesmo?, disse, levantando-me e virando-me para passar os braços
em volta de seu pescoço. Como o quê, por exemplo? Algum tempo depois,
aconchegados por trás das persianas trancadas, ergui minha cabeça dos seus
ombros e disse: porque me perguntou aquilo? Se eu tive contacto com escoceses,
quero dizer, deve saber que tive, há todo tipo de homens nesses hospitais. Ele
se mexeu e deslizou a mão pelas minhas costas. Hum. Ah, por nada, na verdade. É
que, quando vi aquele sujeito lá fora, ocorreu-me que pudesse ser, hesitou,
apertando-me mais um pouco nos seus braços, hã, sabe, que pudesse ser alguém de
quem você cuidou, talvez..., talvez, tivesse ouvido falar que estava aqui e
veio ver..., algo assim. Nesse caso, disse, de modo prático, porque ele não
entraria e pediria para me ver? Bem, a voz de Frank pareceu muito descontraída,
talvez ele não quisesse dar de caras comigo.
Ergui-me
sobre um dos cotovelos, fitando-o. Havíamos deixado uma vela acesa e eu podia
vê-lo bastante bem. Virara a cabeça e olhava distraidamente para a
cromolitografia do príncipe Carlos Eduardo com a qual a sra. Baird achara
apropriado decorar a nossa parede. Agarrei o seu queixo e virei o seu rosto
para mim. Ele arregalou os olhos, simulando surpresa. Está querendo dizer,
indaguei, que o homem que viu lá fora era alguma espécie de, de..., hesitei, em
busca da palavra certa. Ligação?, sugeriu, solícito. Amorosa de minha parte?,
concluí. Não, não, claro que não, afirmou de maneira pouco convincente. Retirou
as minhas mãos do seu rosto e tentou beijar-me, mas agora foi a minha vez de
virar o rosto. Contentou-se em puxar-me de volta para me deitar a seu lado na
cama. É que..., começou. Bem, sabe, Claire, foram seis anos. E nos vimos apenas
três vezes e apenas por um dia na última vez. Não seria extraordinário se...,
quero dizer, todos sabem que médicos e enfermeiras ficam sob um terrível stress
durante as emergências e..., bem, eu..., é apenas que..., bem, eu
compreenderia, sabe, se alguma coisa, hã, de natureza espontânea... Interrompi
aquela lengalenga desvencilhando-me do seu abraço e saltando para fora da cama.
Acha que lhe fui infiel?, indaguei. Acha? Porque se acha, pode sair deste
quarto agora mesmo. Ir embora desta casa! Como ousa insinuar tal coisa? Eu
estava furiosa e Frank, sentando-se na cama, estendeu os braços tentando acalmar-me.
Não toque em mim!, retruquei. Apenas me diga: acha, diante do facto de um
estranho estar olhando para a minha janela, que eu tenha tido algum caso
amoroso com um dos meus pacientes? Frank levantou-se da cama e envolveu-me nos
seus braços. Permaneci petrificada como a mulher de Lot, mas ele insistiu,
acariciando os meus cabelos e esfregando os meus ombros da maneira que sabia
que eu gostava. Não, eu não acho nada disso, disse com firmeza. Puxou-me para
mais junto dele e eu relaxei um pouco, embora não o suficiente para abraçá-lo».
In Diana Gabaldon, Nas
Asas do Tempo, 1991, Casa das Letras, LeYa, 2010, 2016, ISBN 978-972-461-974-3.
Cortesia
das CdasLetras/JDACT