sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

O Mistério do Infante Santo. Jorge Sousa Correia. «Presenciei como vinham acabrunhados, humilhados, uns destroços, afectados na sua honra de cavaleiros valentes, vencidos por gentalha sem Deus, sem religião, porque afinal nem mouros eram…»

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À procura do Bem e do Mal
«[(…)] Já que farlei na expedição às ilhas Canárias, devo dizer que não gosto de lembrá-la e Henrique ainda menos, tanto mais que fica desajeitado só de ouvir pronunciar-lhe o nome. Deste acontecimento, por ser frustrante, não me trouxe nenhuma alegria, ficando dele apenas a lembrança aviltante da derrota de Henrique, do sumiço de homens, dinheiro e equipamentos que tanta falta nos faziam. Mas não esqueço, não posso mesmo esquecer-me. Só se não tivesse visto todo o entusiasmo da partida, o ar ufano dos cavaleiros portugueses em véspera de uma conquista e depois o embaraço triste da chegada. Mas vi. Presenciei como vinham acabrunhados, humilhados, uns destroços, afectados na sua honra de cavaleiros valentes, vencidos por gentalha sem Deus, sem religião, porque afinal nem mouros eram.
[…]

Claramente, o pensamento do rei não era escorreito. Se as dúvidas sobre o infante Henrique eram assim tantas, por que motivo iria privilegiar o conselho dele? Caminhando, o rei enchia os olhos de sugestões motivadoras, imagens que lhe permitiam esquecer por algum tempo as suas
preocupações.

A Espera tem um Fim
O infante Henrique, embora sendo entre todos os nobres o que dispunha de mais meios para gerar riqueza, não abria mão da possibilidade de criar novas fontes de rendimento, continuando a procurar o tesouro que suportasse tão desmedida ambição. Por sua vez, o rei Duarte I, uma peça fácil de manusear para Henrique, nem lhe passa pela cabeça que o irmão tem um esquema traçado para o submeter às suas utopias, nem supõe que Fernando e dona Leonor fazem parte dos planos dele. O rei veio rapidamente de Almeirim para Lisboa procurar ajuda junto do irmão, mas só dois dias depois da chegada é que Henrique compareceu no Paço. A estratégia do infante Henrique estava traçada. O pequeno retiro na acolhedora vila de Sintra, quase de improviso, entre caçadas, comidas e rezas, servia para ajustar ideias, medir solidariedades ou impor vontades aos que ainda se mostravam indecisos. Nesta perspectiva, convinha-lhe manter-se afastado do irmão por mais algum tempo, no justo momento em que a conversa que iriam ter punha fim a anos de espera. Fazer Duarte aguardar para lá do razoável fora ideia sua, pois sabia que contaria com a cunhada para a primeira abordagem, o que tornava dona Leonor numa aliada fundamental para os seus estimados projectos.
O infante tinha um espírito desinquieto, mas também percebia que sozinho, ou só com a participação de Fernando, não suportaria os custos que uma armada de muitos milhares de homens e equipamentos representava. Mesmo tendo abundantes cedências da Coroa, através de distinções, privilégios, benefícios ou isenções, que lhe enchiam os cofres e a importância, não conseguia fazer-se ao mar para conquistar Tânger sem que o rei arcasse com as maiores despesas». In Jorge Sousa Correia, O Mistério do Infante Santo, 2013, Clube do Autor, 2013, ISBN 978-989-724-067-6.

Cortesia de ClubedoAutor/JDACT