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Conclave
26 de Agosto de 1978
«(…) Não
posso lhe dizer o que fazer. Apenas que, aconteça o que acontecer, não abra
essa porta. Mantenha os papéis sempre consigo. Lembra-se do que a avó costumava
dizer-lhe quando não queria sair pela porta dos animais? Pela porta da casa,
que por acaso também era a dos animais, você quer dizer. Recorde o que ela
costumava lhe dizer. Volte a ligar-me mais tarde. Use outros meios. A chamada
se interrompe sem um adeus ou um até logo.
Três
pancadas fortes na porta despertam-na para as palavras do pai: o que a avó
dizia quando ela chorava por não querer passar pelas enormes vacas que barravam
a entrada comum. A mãe, inglesa legítima, nada habituada àquelas andanças,
achava graça no modo de vida dos habitantes de Escariz, na região trasmontana
de Chaves. Casas de pedra mal isoladas, escuras, sem electricidade, sem água
encanada, sem gás encanado - sem gás de nenhuma espécie, a bem da verdade. As
origens do pai, às quais ele tanto gostava de regressar todos os anos. Talvez
já não conseguisse passar mais do que uma semana naquele lugar perdido no
tempo, mas, em cinquenta e duas semanas, uma tinha de ser em Escariz para
visitar a família e os amigos de outrora. Lembra-se de como odiava passar por
aqueles animais enormes, com o rabo balançando no ar rente aos seus cabelos e
com os enormes focinhos ruminantes que davam a impressão de terem sempre alguma
coisa na boca. A avó tinha de afastá-los para a menina passar. Às vezes era o
pai, quando a avó estava ocupada fazendo pão ou bolos de carne, ou fora, no
campo, cultivando ou colhendo os legumes da época. Ou colhendo uvas, quando era
tempo disso. O pai também os afastava com jeito. Não demonstrava nenhum medo
deles. A partir de certa idade, a avó deixou de afastar os animais. Afaste-os
você mesma, dizia. Já é hora de deixar de ter medo deles, completava. Se não
fazem mal a mim que sou velha, também não farão a você. E franzia as
sobrancelhas para a menina, como para mostrar o óbvio. Mas tenho medo que me pisem.
Bem, faça como quiser. Mas acredite: por mais medo que tenha, elas têm bem mais.
E levantava-se do banco de madeira em que acabara de tirar leite puro num balde
de lata. Dirigia-se à porta e, antes de fechá-la, fitava a menina. Vou buscar
capim para os animais. Se quiser ir comigo, basta fazer como faço. Passe e
ande. Faça de conta que não vê animal nenhum, menina. E fechava a porta,
deixando Sarah entregue à imensidão animalesca. Seis vacas que aqueciam a casa
durante todo o Inverno. No início, Sarah ficava imóvel, sem coragem para
enfrentar o espaço que a separava da porta comum. Naqueles dias a avó voltava a
abrir a porta, como o anjo zelador do bem-estar da menina.
Ou você
pode sair pela janela lá de cima. Há sempre solução para tudo. Só não há para a
morte. E a menina corria, subia os degraus em pedra grosseira e saía pela
janela de um dos quartos. Mais tarde, começou a arriscar e percorria o chão de
terra entre o final das escadas e a porta comum, olhando para o lado oposto ao
dos animais. Ignorando-os, como dizia a avó. E acabou conseguindo fazê-la mais
vezes, até se tomar um acto sem importância. Graças à avó que... Há sempre
solução para tudo. Foram essas as palavras da avó. E era isso que o pai lhe
tentou transmitir numa espécie de mensagem cifrada. Não pode sair pela
porta; arranje outra saída. Larga o telefone móvel no sofá e pega os papéis
enviados pelo tal Valdemar Firenzi. Da bolsa, colocada ao lado do computador,
retira a carteira e, desta, os cartões de crédito, mulher prevenida vale por
duas, e põe tudo no chão. Avança para as escadas, olhando para trás, na direcção
da porta. Quem quer que esteja do lado de fora mexe agora na maçaneta. O seu
coração dispara. Tira apressadamente os ténis que havia calçado depois do
banho. Ainda bem que optara por vestir roupa fresca, leve e prática, calça de
ginástica e um blusão com capuz, muito melhor do que se tivesse optado pelo
roupão. Trajes desportivos básicos em detrimento do consolo prazeroso do
roupão. Com os ténis na mão, sobe ao primeiro andar. A madeira dos degraus
range e a denuncia, mas o facto de serem meias e não solas a pisarem as escadas
acarpetadas faz toda a diferença. Esforça-se também por controlar o peso que
emprega em cada perna, a cada passo, de modo que dê a ideia de um ranger
natural de madeira velha, uma espécie de estalo que se ouve a toda hora nesse
tipo de casa». In Luís Miguel Rocha, O Último Papa, Saída de Emergência,
2006, ISBN 978-972-883-969-7.
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