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«(…) O mouro era ágil e
rápido, Konrad sabia que dificilmente lhe poderia causar ferimentos letais.
Além disso, via-se obrigado a usar a sua própria espada mais como arma de
defesa do que de ataque. As forças começaram-lhe a faltar, mas entretanto os
seus companheiros tinham-se tornado a distanciar. E o túnel haveria de chegar
ao fim. Desta vez, revelava-se-lhe difícil arranjar uma oportunidade para virar
costas à luta. Arriscou um ataque, descurando a própria defesa. Deu certo: o
mouro teve que cobrir a cabeça com o escudo e Konrad aproveitou para lhe virar
as costas. Mas pelos vistos não foi suficientemente rápido. O outro avançou de espada em punho e
atingiu-lhe o braço. A dor lancinante fez com que as pernas de Konrad lhe
fraquejassem. Mas, se ali caísse, era o seu fim. O desespero deu-lhe forças que
ele não imaginava ter e viu-se a correr a toda a velocidade. O sangue
escorria-lhe do braço direito e a dor roubava-lhe o discernimento. Não fazia
ideia seja estava perto dos seus companheiros, nem se o mouro o alcançava.
Ficou tonto, sentia-se desmaiar. Já não corria, cambaleava de encontro às
paredes da mina... Até que caiu ao chão. Contava a todo o momento que o mouro
lhe desse o golpe de misericórdia. Mas, fosse porque milagre fosse, isso não
aconteceu. O outro parecia ter-se diluído no ar! Gritou por socorro, a saída do
túnel não podia estar longe. Depois, arranjou forças para se levantar. E lá foi
cambaleando, à procura da saída e gritando por ajuda. A luz do sol já se fazia
notar, quando viu homens a virem ao seu encontro. Ajudaram-no a sair da mina,
em cuja entrada uma pequena multidão o esperava. Johann pendurou-se-lhe ao
pescoço, de lágrimas nos olhos: Konrad! Estás vivo, graças a Deus! Também
Hadwig e Gunther se regozijavam. Konrad balbuciou, entre golfadas de ar: o
mouro..., deixou..., de me seguir?
Fazem
sempre assim, replicou alguém ao lado dele. Destroem as minas, matam uns
quantos dos nossos e tornam a barricar-se na cidade. Pelos vistos, completou
Hadwig, o teu adversário contentou-se em infligir-te esse ferimento no braço. Anda,
disse Johann. Tratemos disso, antes que te esvaias em sangue. Konrad estava
deitado na sua tenda e Ausenda envolvia-lhe a ferida do braço com uma compressa
de flores de camomila. As tendas eram pequenas e apertadas, só os fidalgos
tinham direito às grandes, redondas, com um mastro no meio, no cimo do qual se
içava uma bandeira. Os dois nunca tinham estado tão próximos um do outro. E
estavam sozinhos, Johann tido ido apanhar lenha para a ceia.
Ausenda
nunca lhe parecera tão bonita. Ajoelhada a seu lado, tinha a saia levantada
acima dos joelhos, para melhor se poder mover. Curvava-se sobre o braço dele,
dando a ver um pouco dos seios no decote redondo do vestido de linho. Os
lábios, que eram um pouco grossos e de um vermelho vivo, estavam entreabertos.
Os cabelos negros, amarrados num rabo-de-cavalo, emanavam um leve aroma a
alfazema. Ao apertar a compressa, ela fez com que o braço esticado de Konrad se
movesse e as costas da mão dele tocaram-lhe na pele bronzeada e quente da coxa.
Apesar de ferido e fraco, Konrad excitou-se. Depois de um dia de tantas
agruras, ansiava por um pouco de consolo. Deu-se conta que, desde que partira
nesta aventura, nunca tinha desejado tanto uma mulher como desejava agora a
rapariga meiga dos olhos amendoados. Não resistiu à tentação de, com as costas
dos dedos lhe afagar a coxa. Estava expectante quanto à reacção dela. Há mais
de três meses que ela se dedicava exclusivamente a Johann, mas tinha sido
afinal uma rameira.
Ausenda,
porém, se se apercebeu das suas intenções, deu a entender o contrário. Não o
encarou uma vez que fosse e, assim que terminou a sua tarefa, deixou a tenda,
sem proferir palavra. Sozinho, Konrad deu-se conta do fresco que o fim de tarde
trazia e que a sua ferida latejava. Puxou a manta até ao pescoço, invejando o
irmão, que tinha uma moça tão bonita a adoçar-lhe as noites. Lembrou-se de
Hildrun, a filha do ferreiro Otmar e pela primeira vez arrependeu-se de não ter
casado com ela. Sonhara com uma vida gloriosa de cavaleiro, mas as cruzadas
revelavam-se bem diferentes daquilo que ele imaginara.
Deixara a sua terra natal há quase meio ano e nem sequer pousara ainda os pés
na Terra Santa! E a ferraria de Otmar, a melhor de Colónia, bom dinheiro
dava... Amargurado, Konrad notou que estava cansado demais para conjecturas
dessas. Fechou os olhos e adormeceu.
Acordou
ao som de gargalhadas mornas e do crepitar do lume. Sentia-se muito fraco, mas
conseguiu sair da tenda. Havia como sempre fogueiras por todo o acampamento.
Também Johann, Ausenda, Hadwig e Gunther se encontravam sentados à volta das
chamas, onde a ceia era preparada. Assim que o viu, o irmão veio ao seu
encontro: não precisas de te levantar. Eu levo-te a comida à tenda. Ora essa!
Seria preciso mais do que um arranhão no braço para me pôr de cama». In Cristina Torrão, A Cruz de Esmeraldas, Edição
Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.
Cortesia
de Ésquilo/JDACT