terça-feira, 14 de abril de 2020

Como eu Atravessei África. Alexandre Serpa Pinto. «Foi pelo seu intermédio que travei relações epistolares com Luciano Cordeiro, a quem depois me devia ligar estreita amizade. Por esse tempo, redigi duas pequenas memórias…»

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Como eu atravessei a África do Atlântico ao Mar Índico.
Viagem de Benguela à Contra-Costa, através de Regiões Desconhecidas
«(…) Ora essa!..., então desisto eu. Mesmo, eu não creio que a coisa vá a efeito. Nem eu creio muito; mas enfim, se for a efeito, porque não havemos de ir ambos? Não nos conhecemos, é verdade; mas em breve travaremos íntimas relações, e creio bem chegaremos a ser amigos. E porque não? Então, se a expedição for avante, iremos juntos, e escolheremos para nosso companheiro ao meu amigo Roberto Ivens. Está dito. Pensa seriamente que o Governo votará uma tão grande verba como a que é precisa para uma empresa destas? Não sei, duvido; e agora ultimamente fala-se menos na expedição. Conversámos largamente, e separámo-nos; tendo a íntima convicção de que a expedição nunca se realizaria. Ainda me encontrei com Capelo nos dias seguintes, e depois separámo-nos. Ele seguiu viagem no couraçado Vasco da Gama para Inglaterra; e eu fui tomar o comando da minha companhia em Caçadores 4, no Algarve. Com o descanso da vida de guarnição, voltei ao estudo, e tive a felicidade de encontrar um amigo no Algarve, Marrecas Ferreira, distinto oficial de Engenheiros, que, meu companheiro nas mesas do trabalho, tinha sempre um bom conselho a dar-me, nas questões matemáticas, que ele maneja com inteligência superior. Foi pelo seu intermédio que travei relações epistolares com Luciano Cordeiro, a quem depois me devia ligar estreita amizade. Por esse tempo, redigi duas pequenas memórias, que por intermedio de Luciano Cordeiro chegaram às mãos do Ministro da Marinha, em que tratava do modo de organizar uma expedição de exploração na África Austral.
Passaram-se meses, e não mais me falaram de expedição.
Recebi duas cartas do Capelo, em que me mostrava a sua completa descrença em que a coisa fosse a efeito. Eu mesmo nutria igual descrença. Na Comissão Permanente de Geografia discutiam-se vários projectos de expedições; mas tudo ficava em discussões. Um dia, vi nos jornais, que o Ministro, o João Andrade Corvo, apresentara no parlamento um projecto, pedindo um crédito de 30 contos para uma expedição em África; mas, pouco depois, caiu o Ministério, e foi o José Melo Gouveia encarregado da Pasta das Colónias; quando o projecto ainda não tinha sido votado no parlamento. Tornava-se a falar da projectada exploração; mas os jornais davam por escolhidos exploradores que eu não conhecia, e às vezes apenas falavam em Capelo. Eu então estava em Faro, e se me não descurava dos meus estudos astronómicos e Africanos, ouvindo os conselhos de João Boto, distinto professor da escola de Pilotos de Faro, não nutria já ideias de viajar. O meu tempo era passado entre as carícias da família e os meus livros de estudo, e sentia-me muito feliz, nos conchegos do lar doméstico, para pensar em trocar a minha vida plácida pelo bulício e azares das viagens.
Seguia com interesse nos jornais as notícias de Lisboa, e vi que o novo ministro, José Melo Gouveia, havia no parlamento apoiado a proposta de João Andrade Corvo, e que fora votada a soma de 30 contos para uma exploração. A morte de Bernardino António Gomes, vítima, talvez, do muito interesse que dedicou ao estudo das questões Africanas, numa idade em que as fadigas passadas lhe aconselhavam completo repouso de espírito, a morte desse eminente sábio, veio produzir um grande vácuo na Comissão Central de Geografia. Outros, é verdade, tomando grande interesse nas questões palpitantes, levantavam a voz no seio da comissão; mas discussões repetidas iam adiando a prática urgente. Eu, apesar de se ter votado a verba no parlamento, já não via possibilidade de se levar a efeito a expedição em 1877; e em vista do que sabia pela imprensa, não pensava que se lembrassem de mim, se aquela fosse a afeito; e devo dize-lo, dava-me isso um certo prazer». In Alexandre Serpa Pinto, Como eu Atravessei África, 1881, Publicações Europa-América, 1998, ISBN 978-972-104-400-5.

Cortesia de PEuropa-América/JDACT