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Como eu
atravessei a África do Atlântico ao Mar Índico.
Viagem de Benguela à Contra-Costa, através de Regiões Desconhecidas
«(…) Ora
essa!..., então desisto eu. Mesmo, eu não creio que a coisa vá a efeito. Nem eu
creio muito; mas enfim, se for a efeito, porque não havemos de ir ambos? Não
nos conhecemos, é verdade; mas em breve travaremos íntimas relações, e creio
bem chegaremos a ser amigos. E porque não? Então, se a expedição for avante,
iremos juntos, e escolheremos para nosso companheiro ao meu amigo Roberto
Ivens. Está dito. Pensa seriamente que o Governo votará uma tão grande verba
como a que é precisa para uma empresa destas? Não sei, duvido; e agora ultimamente
fala-se menos na expedição. Conversámos largamente, e separámo-nos; tendo a
íntima convicção de que a expedição nunca se realizaria. Ainda me encontrei com
Capelo nos dias seguintes, e depois separámo-nos. Ele seguiu viagem no
couraçado Vasco da Gama para Inglaterra; e eu fui tomar o comando da minha
companhia em Caçadores 4, no Algarve. Com o descanso da vida de guarnição,
voltei ao estudo, e tive a felicidade de encontrar um amigo no Algarve,
Marrecas Ferreira, distinto oficial de Engenheiros, que, meu companheiro nas
mesas do trabalho, tinha sempre um bom conselho a dar-me, nas questões
matemáticas, que ele maneja com inteligência superior. Foi pelo seu intermédio
que travei relações epistolares com Luciano Cordeiro, a quem depois me devia
ligar estreita amizade. Por esse tempo, redigi duas pequenas memórias, que por
intermedio de Luciano Cordeiro chegaram às mãos do Ministro da Marinha, em que
tratava do modo de organizar uma expedição de exploração na África Austral.
Passaram-se
meses, e não mais me falaram de expedição.
Recebi
duas cartas do Capelo, em que me mostrava a sua completa descrença em que a
coisa fosse a efeito. Eu mesmo nutria igual descrença. Na Comissão Permanente
de Geografia discutiam-se vários projectos de expedições; mas tudo ficava em
discussões. Um dia, vi nos jornais, que o Ministro, o João Andrade Corvo,
apresentara no parlamento um projecto, pedindo um crédito de 30 contos para uma
expedição em África; mas, pouco depois, caiu o Ministério, e foi o José Melo
Gouveia encarregado da Pasta das Colónias; quando o projecto ainda não tinha
sido votado no parlamento. Tornava-se a falar da projectada exploração; mas os
jornais davam por escolhidos exploradores que eu não conhecia, e às vezes
apenas falavam em Capelo. Eu então estava em Faro, e se me não descurava dos
meus estudos astronómicos e Africanos, ouvindo os conselhos de João Boto,
distinto professor da escola de Pilotos de Faro, não nutria já ideias de
viajar. O meu tempo era passado entre as carícias da família e os meus livros
de estudo, e sentia-me muito feliz, nos conchegos do lar doméstico, para pensar
em trocar a minha vida plácida pelo bulício e azares das viagens.
Seguia com
interesse nos jornais as notícias de Lisboa, e vi que o novo ministro, José Melo
Gouveia, havia no parlamento apoiado a proposta de João Andrade Corvo, e que
fora votada a soma de 30 contos para uma exploração. A morte de Bernardino
António Gomes, vítima, talvez, do muito interesse que dedicou ao estudo das
questões Africanas, numa idade em que as fadigas passadas lhe aconselhavam
completo repouso de espírito, a morte desse eminente sábio, veio produzir um
grande vácuo na Comissão Central de Geografia. Outros, é verdade, tomando
grande interesse nas questões palpitantes, levantavam a voz no seio da
comissão; mas discussões repetidas iam adiando a prática urgente. Eu, apesar de
se ter votado a verba no parlamento, já não via possibilidade de se levar a
efeito a expedição em 1877; e em vista do que sabia pela imprensa, não pensava
que se lembrassem de mim, se aquela fosse a afeito; e devo dize-lo, dava-me
isso um certo prazer». In Alexandre Serpa Pinto, Como eu Atravessei
África, 1881, Publicações Europa-América, 1998, ISBN 978-972-104-400-5.
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de PEuropa-América/JDACT