Cortesia
de wikipedia e jdact
«O homem e a hora são um só
Quando Deus faz e a história é feita.
O mais é carne, cujo pó
A terra espreita.
Mestre, sem o saber, do Templo
Que Portugal foi feito ser,
Que houveste a glória e deste o exemplo
De o defender,
Teu nome, eleito em sua fama
É, na ara da nossa alma interna,
A que repele, eterna chama,
A sombra eterna».
Fernando
Pessoa, in Mensagem
Considerações
iniciais
«(…)
Procedendo a uma análise crítica do poema em causa, centrada em critérios claros
e objectivos, pretendemos fundamentalmente com esta investigação dar a conhecer
uma obra literária até este momento praticamente ignorada e que, do que nos foi
possível apurar, é o único poema épico conhecido que se debruça inteiramente sobre
a crise de 1383-1385 e sobre a figura de D. João I.
O
Século XVIII: um olhar sobre a História e a Literatura de Setecentos
Num mundo em que a preocupação
dos países residia sobretudo no controlo dos mercados, no tráfego internacional
e na segurança das rotas comerciais, os estados setecentistas, mais do que
proteger as suas próprias fronteiras continentais, procuraram fundamentalmente
defender as suas possessões ultramarinas, incentivar as trocas comerciais e
controlar com rigor as rotas marítimas. Tal situação fez com que as relações
políticas entre os estados europeus se pautassem durante o século XVIII por uma
certa tensão e instabilidade, de que foi exemplo a Guerra dos Sete Anos (entre 1756 e
1763), que opôs a França à Grã-Bretanha. No plano técnico/científico, o século XVIII fica marcado, entre
outros acontecimentos, pelos progressos técnicos que culminaram na primeira Revolução Industrial. Sobretudo a
partir de 1750, a Revolução Agrícola na Grã-Bretanha levou à implementação
gradual de inovações nos processos de fabrico e de produção, sendo a partir de
1769, com a invenção da máquina de fiar e com a patente, por James Watt, do
motor a vapor, que o mundo económico sofreu provavelmente a sua maior alteração:
com a mecanização da indústria,
passava-se de uma produção artesanal, feita manualmente, com um reduzido volume
de produção e um tipo de fabrico mais individualizado para uma produção fabril
marcada pelo fabrico em série e com um volume de produção mais elevado. O Homem
compreendia então que pela investigação e pela materialização das suas ideias
era possível melhorar as sociedades, modernizá-las, dotando-as dos mecanismos e
dos instrumentos necessários para que as mesmas evoluíssem.
Mas todas estas transformações
foram igualmente o resultado de relevantes alterações ideológicas que então se começavam a materializar,
nomeadamente no seio das duas superpotências setecentistas: a Grã-Bretanha e a
França. No plano ideológico, o
século XVIII ficou fundamentalmente marcado pelo conflito entre a fé e a
razão. Com a expansão da Inquisição (maldita) a partir do século XVI em
diversos estados europeus, deixou de existir um pouco por toda a Europa um ambiente
favorável e estimulante ao desenvolvimento intelectual e à eclosão de novas ideias.
O Clero, fundamentalmente por motivos de ordem religiosa, criara uma rede de
censura, procurando reprimir todas as tendências que pusessem em causa a pureza
da fé e os bons costumes.
Com o decorrer dos séculos, e
sobretudo no século XVIII, as ideias lançadas por ilustres pensadores como
Locke, Montesquieu, Voltaire, Rousseau, entre muitos outros, contribuíram para
a reivindicação de novos valores,
opostos aos que haviam sido defendidos pelas concepções religiosas. Fruto das
contribuições destes e de muitos outros pensadores, o século XVIII fica assim
indelevelmente marcado pela propagação em todas as sociedades europeias de uma
certa fé optimista da capacidade do
Homem para o progresso: as doutrinas racionalistas ganhavam
preponderância, defendendo que o Universo era regido por leis físicas rigorosas
e as descobertas científicas que dia-a-dia se concretizavam levavam os homens
de então a crer que muitos dos males de que o ser humano padecia, mais do que
castigos divinos, eram certamente fruto dos erros ou falhas dos próprios
homens. Crescia assim a crença numa nova Idade, a Idade da Razão, um tempo em que o Homem, ganhando uma maior confiança em si e nas suas capacidades,
se encontrava mais determinado em descobrir as causas e os efeitos
do que se passava à sua volta. Como nos dizem Óscar Lopes e António José
Saraiva:
Como consequência do progresso
científico e técnico, desenvolve-se em determinados grupos sociais uma
confiança optimista nas possibilidades do Homem, visto não já como uma criatura
degradada pelo pecado original, mas como senhor da Natureza e suas leis, que ele
abrangia pelo conhecimento e podia modificar pela técnica. Viu-se a
possibilidade de aumentar a riqueza, de diminuir o esforço humano, de tornar a
vida mais confortável e até de transformar a sociedade, abolindo os hábitos
irracionais, as desigualdades cuja legitimidade a razão não reconhecia.
Acreditou-se que a divulgação da ciência, isto é, das luzes, bastaria para
dissipar a escuridão das superstições, consideradas como a principal causa dos
sofrimentos do Homem. É a esta confiança no poder da ciência para modificar a condição
humana que se chama iluminismo. (Lopes e Saraiva, 2000).
In Luís Miguel M Ventura, D João I, Um
retrato épico, Tese de Mestrado em Estudos Portugueses Interdisciplinares,
Universidade Aberta, 2009.
Cortesia
de UAberta/JDACT