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O
Factor Bellucci
«(…) Pronto, tinha a manhã
estragada. Mas porque é que não mandava o Pestana pôr-se na alheta quando o
tipo o vinha chatear? Zé sabia bem a resposta: porque não era capaz de ofender ninguém,
porque és um tanso!!!, pensou,
desconcertado. Dez horas. Ainda não tinha feito nada, nadinha, nem sequer
escrevera uma vírgula. Já sabia que ia ficar perturbado o resto do dia por
causa daquilo do Pestana. O que o incomodava não era o Pestana, era a sua
própria incapacidade para responder às provocações do colega. Bom dia,
Figueiredo. Bom dia, chefe. Aquele dossier
da agência de Setúbal já está pronto? Praticamente, chefe. Veja lá,
Figueiredo, que eu preciso disso para ontem. Esteja descansado, chefe. Quando o
chefe pedia alguma coisa, era sempre para ontem, mesmo quando não era. O chefe era
todo palmadinhas nas costas, todo sorrisos hipócritas, mas sempre a lixar-lhe a
vida. Desculpe lá Figueiredo, mas este ano não há aumentos para ninguém, só
reajustamentos. Se não fosse aquela coisa da guerra do Iraque. Mas vai ver que para
o ano já estaremos melhor. Para o ano, ah! No ano passado tinha sido a mesma
conversa, mas com aquela coisa do 11 de Setembro tudo servia de desculpa para
enrolar os sindicatos nas negociações. Se o banco passara alguma vez por uma
aflição, Zé nunca tinha dado por nada. Tretas. Por isso, o chefe que esperasse
pela porcaria do relatório da agência de Setúbal. Não há dinheiro, não há palhaços, e este palhaço vai mas é almoçar,
pensou Zé. Mas olhou para o relógio e ainda nem era meio-dia. Bom, não podia
sair já, mas também não tencionava fazer a ponta de um cor…, até à uma da tarde.
Foi almoçar sozinho, ali a dois
passos do banco, numa pastelaria na Avenida da Liberdade que servia uma sopa do
dia catita e uns croquetes aceitáveis. Sentou-se numa mesa solitária a cismar
com o Pestana, preocupado com a possibilidade de o colega ter contado aos
outros que o apanhara com um papelinho na cara e lhe chamara cara de cu.
Pensando melhor, o mais provável era o Pestana nem se ter lembrado mais disso.
Zé tinha aquela tendência para achar que as pessoas estavam sempre a julgá-lo e
a falar dele nas costas. Chama-se a
isso insegurança, recriminou-se. Olhou para a porta da pastelaria e
viu a Bellucci. Ficou com a colher da sopa a meio da boca aberta, a mão a
tremer e o coração exaltado. A Bellucci era a brasa da contabilidade, olhos castanhos
amendoados, sobrancelhas finas, cabelo castanho liso, um pouco abaixo dos
ombros, nariz afilado e lábios carnudos, maminhas durinhas a apontar para o
céu, e umas pernas compridas que não podiam ser reais. Chamava-se Cátia e era
parecida com a Monica Bellucci, a actriz italiana que fazia de Cleópatra no
último Astérix & Obélix. Por isso lhe
tinham dado aquela alcunha no banco». In Tiago Rebelo, Eu e as Mulheres da Minha Vida,
2003, Edições ASA, 2016, ISBN 978-989-233-501-8.
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