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Reddit Quod Recipit. Imagens
das Festas de Casamento de Afonso VI
«(…) É que, para além dos temas representados nessas pinturas, a
sobrecarga e a densidade decorativa impressionavam, decerto, quem quer que
naquela altura contemplasse os monumentos levantados para as festividades. Como
se sabe, ao nível da decoração (pictórica, escultórica e literária) dos arcos
era habitual apresentar, lado a lado, formas decorrentes de uma tradição
hispânica, mais vernácula e pitoresca, e formas mais eruditas, que buscavam
sobretudo a beleza nobre imitando modelos oriundos de além-Pirenéus, ou
contidos em tratados de arquitectura. Para a fabricação de tais efeitos, os
nossos artistas devem ter recorrido, como de costume, às diversas colecções
manuscritas de provérbios que então circulavam, as quais serviam de inspiração
para pinturas murais; para além dos livros de emblemas que também devem ter
servido de inspiração para os gravadores, pintores e escultores que nos
preparativos da festa participaram. O certo é que a decoração abundante estava
decididamente em voga, destinada não só a adornar mas também a enriquecer e
deleitar.
Tal sofisticação revela que os organizadores da festa tinham
consciência do impacto que as imagens exerciam sobre o público que ia apreciar
os arcos triunfais. E esta consciência era estruturante das festividades
ligadas à realeza. Sousa Macedo, reputado erudito e político, não pode ter passado
ao lado de tão poderoso instrumento de publicitação. O seu protagonismo na
preparação da festa e na escolha da decoração constitui algo de bastante provável.
Acerca disso é bem expressivo o seu comentário ....como se premeditou succedeu,
tecido a propósito do resultado dos meios utilizados para acalmar os povos da
cidade de Lisboa, quando dos distúrbios ocorridos nesta cidade depois da tomada
de Évora. Nessa ocasião, os meios escolhidos tinham sido a realização de uma
procissão (para entreter as mulheres) e a formação dos terços da cidade (para
ocupar os homens) de modo a divertir os intentos violentos que então ocupavam a
sua atenção. Lembre-se que já nessa altura Sousa Macedo servia como secretário
de Estado e Castelo Melhor como escrivão da puridade.
Também o escrivão da puridade era, decerto, um dos que melhor dominava
esta arte de mover e comover o vulgo. Mas é um problema imbricado, este o de
deslindar as diversas autorias da festa: a programática mais geral e as autorias
materiais. Sabe-se que João Nunes Tinoco teria desempenhado um papel importante,
na parte da arquitectura. A ele teria cabido projectar, pelo menos, os palanques
erigidos no Terreiro do Paço, e uma das máquinas de fogo, para as festas de
Outubro. E é certo que, como acontecera em outras ocasiões, a Câmara de Lisboa
supervisionara todo o empreendimento, realizando medições, previsões de custos,
memórias descritivas, e ainda participando no desenho de algumas decorações
suplementares, estabelecendo as condições de trabalho dos artistas escolhidos
para realizar a obra. Em alguns casos, os oficiais da Câmara limitavam-se a
reproduzir e a repetir soluções já encontradas para outras festividades
anteriores, no início dessa mesma década Lisboa assistira a uma opulenta festa quando
da partida da rainha dona Catarina para Inglaterra, durante a qual surgiram
algumas das soluções decorativas que iremos encontrar um pouco mais tarde, em
1666.
Noutros casos o programa apresentava contornos inéditos, bem como
soluções arquitectónicas e decorativas que, decerto, procuravam aproveitar o
facto de a cidade possuir alguns espaços onde, desde há muito, era habitual realizarem-se
festas e cerimónias, o Rossio e o Terreiro do Paço, sobretudo, certas ruas
especialmente importantes para a vida dos lisboetas, como a Rua Nova ou a zona
em torno da Sé. O tecido urbano foi desse modo aproveitado para estas festas,
resultando uma especialização dos espaços; exemplar é o caso do Terreiro do
Paço, uma praça que andava cada vez mais associada às festas e cerimónias que
eram promovidas pelo Palácio Real, sobretudo porque possuía a largueza suficiente
para conferir uma indispensável dimensão dramática às demonstrações de riqueza
e de poder que marcavam tais festas em honra da monarquia e da família real». In
Ângela Barreto Xavier, Pedro Cardim, Fernando Bouza Álvarez, Festas que se
fizeram pelo Casamento do rei Afonso VI, Quetzal Editores, Lisboa, 1996, ISBN
972-564-268-6.
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