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O carácter documental e factual do texto tornava-o operativo para utilizações
sucessivas: é o que acontece com o chamado Exordium Magnum, de Conrado
Eberbach, no qual se podem reconhecer tendências polémicas. A análise do texto
tem levado a identificar duas partes no documento:
a)
I-XV, a fundação de Cister, que pode, por sua vez, repartir-se em I-IV; V-XIV (este,
divisível ainda em V-VIII e IX-XIV);
b)
XV-XVIII, o modo de vida. Elementos narrativos alternam com elementos
documentais. A recolha destes torna manifesta uma intenção: afirmar a
legitimidade jurídica e administrativa das acções empreendidas pelos fundadores
de Cister. Reconhece-se, por outra parte, um esquema similar na base da
organização dos elementos reunidos: pedido apresentado por um grupo de monges a
uma autoridade eclesiástica; aceitação do pedido e emissão de um documento; aplicação
prática; comentário sobre o carácter canónico dos dados referidos; integração
eventual de documentos. Tal esquema favorece a hipótese de se considerar que os
elementos não foram reunidos por aluvião, mas se subordinam a um plano. Na
segunda parte, em que se descreve a vida dos inícios, juntamente com os
elementos narrativos, algo dramatizados, há a sublinhar as reflexões de
carácter sapiencial e teológico, onde um novo esquema se torna perceptível: explicitação
dos critérios de referência presentes na reforma (a Regra de S. Bento é
o dado mais em evidência), indicação das normas práticas. Resultado
possivelmente de várias intervenções que se prolongam no tempo, reflecte
preocupações e alegrias de uma comunidade monástica na pujança de vida.
Notícia
da Fundação de Cister
Nós,
primeiros monges de Cister, fundadores desta comunidade (o termo latino é ecclesia,
por recuperação do sentido bíblico do mesmo; não é sem interesse reconhecer tal
regresso à linguagem bíblica quando sabemos os esforços de Estêvão Harding por
melhorar o texto bíblico corrente e eram patentes nas reformas monásticas do
tempo as referências à comunidade primitiva de Jerusalém, considerada como ecclesia.
Preferimos, à semelhança de outros, traduzir por comunidade que escapa à
conotação hierarquizada e vinca o valor de congregação, termo, no entanto, que
pelos usos tomados noutros contextos, também não serviria o valor de base, que
é o de afirmar a vida apostólica na sua pureza de convocação eclesial), com o
presente documento, notificamos quantos vierem depois de nós, dando-lhes a
conhecer o carácter estritamente canónico da fundação e o apoio de autoridade
que lhe foi concedido bem como o tempo e as pessoas graças às quais o nosso
mosteiro e a forma de vida que aí levamos tiveram os seus inícios. Possam eles,
assim, através do conhecimento autêntico destes factos, apreciar com maior
solidez e perseverança tanto este lugar como a observância da Regra que nós,
por mínimos que sejamos, e por graça de Deus, aí introduzimos. E assim rezai
por nós que suportámos o peso de toda a jornada e do calor sem desfalece e, por
vosso lado, até ao último suspiro, e ao longo do caminho estreito e escarpados
que a Regra mostra, esforçai-vos por poderdes firmar-vos auspiciosamente no repouso
eterno, uma vez deposto o fardo da carne». In Aires Nascimento, Cister, Introdução,
tradução e notas, Edições Colibri, Faculdade de Letras, Lisboa, 1999, ISBN
972-772-032-3.
Cortesia
de Colibri/JDACT