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O Amor Cortês. Reflexões Historiográficas
«(…) Contudo, o sistema
do Amor Cortês apresenta outros elementos singulares que são tão ou mais
importantes do que aqueles mais propriamente associados às normas políticas da
vassalagem. Condição integrante da cortesia é a manutenção do Segredo. O Amador deve manter secreta
a sua relação amorosa com a Dama, mesmo sendo uma relação idealizada e que não
envolve o contacto sexual. Sendo a Dama em muitos casos casada, e em outros
casos ocupando uma alta posição, postula-se que a inobservância deste aspecto poderia
abalar de uma maneira ou de outra a reputação da Dama, ou então expô-la gratuitamente
aos comentários e à curiosidade alheia. Por isso, frequentemente o trovador que
louva a sua Dama utiliza uma senha, e jamais enuncia publicamente o nome
da Dama a quem dedica as suas canções e o seu serviço amoroso. Neste ponto,
portanto, a fidelidade secreta do amor cortês contrasta com a fidelidade
vassálica, já que esta é declarada publicamente.
A Mesura, virtude que torna o
Amador capaz de comportar-se com temperança e com moderação diante desta
relação amorosa que é por outro lado de completa entrega, deve ser cultivada, e
na verdade aprendida pelo
trovador ou pelo amante cortês que realiza através do amor o aprimoramento do seu
espírito. Deve o Amador exercitar uma infinita capacidade de espera,
aprimorando uma paciência que é a única virtude que o permitirá manter-se vivo
diante deste desejo extremo que está fadado a não se realizar nunca. Neste
sentido, desempenha uma função dialéctica imprescindível a virtude da Mesura, através da qual o Amador
procura exercer algum controle sobre os seus próprios sentidos, exercitando-se
tanto na capacidade de discrição como na de evitar que o conduza aos extremos
da loucura e da morte o inevitável desespero diante do afastamento do objecto
amado. É assim que o Amor Cortês, pleno deste e de outros paradoxos,
apresenta-se simultaneamente como um extravasamento
dos sentidos e como um sistema educativo para a contenção dos sentidos.
Outros paradoxos são
ainda inevitáveis. Como manter rigorosamente o Segredo exigido pelo sistema cortês, se a função do
próprio trovador é a de cantar o Amor? Como cumprir simultaneamente a
fidelidade à Dama com uma estrita observância de silêncio a respeito da
vassalagem amorosa, e a fidelidade ao próprio Deus do Amor, a quem o trovador
também deve servir difundindo a doutrina do Amor Cortês a partir de exemplos
concretos e de suas próprias experiências vividas? Esta contradição também tem
sido observada pelos estudiosos do Amor Cortês: ao falar de seus próprios casos
amorosos, mesmo que de maneira cifrada, o trovador trai a sua própria Dama; ao
falar dos casos alheios, destinados a ensinar os aprendizes do Amor a trilhar o
caminho da cortesia, o trovador acaba se comportando como um daqueles losengiers fofoqueiros da vida
amorosa que estão sempre prontos a tornar público um segredo de amor. Todo o trovador
parece estar irremediavelmente aprisionado pelo complexo circuito do dizer e do
não-dizer, que é apenas um dos muitos paradoxos característicos do amor subtil.
Um outro aspecto que introduz o Amor Cortês no mundo das contradições é a sua
já mencionada incompatibilidade com o Casamento na sua forma tradicional, o casamento
que será compreendido aqui como o matrimónio oficializado, tornado público,
socialmente condicionado pelos interesses familiares e políticos, voltado para
a produção do filho que irá herdar o património feudal, e, sobretudo,
rebaixador da mulher medieval ao definir a sua rigorosa sujeição ao jugo do
marido». In José D’Assunção Barros, A Arena dos Trovadores, 1995, Os Trovadores Medievais e o Amor Cortês.
Reflexões Historiográficas, revista Alethéia, UFG, Abril/Maio 2008.
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