Cortesia
de wikipedia e jdact
Rosso.
La Beauce. França. 390 d. C.
«(…)
Ela é sua? Não. É filha de camponeses. Irmão Timóteo se aproximou e passou a mão
num cacho do cabelo castanho-escuro da menina. Ela não tem o cabelo profano,
que é a marca da sua espécie. Se tivesse, eu a mataria pessoalmente. Uma menina
camponesa, no entanto, não vale o esforço. Deixem-na ir. Ele despachou a criança
com um gesto e deu as costas às mulheres para avaliar a carnificina. Modesta
abraçou Madeleine, e a pequena menina cruzou os braços sobre o seu corpo minúsculo,
agarrada ao livro escondido como se fosse a sua vida. Compreendendo que aquele era
o seu último momento com a filha, Modesta sussurrou no ouvido dela: não tenha
medo, Madeleine. Vou amá-la de novo. O tempo retorna. Ela beijou a filha
rapidamente e mandou a menina sair correndo da caverna. Ficou vendo Madeleine
se afastar com um misto de orgulho materno e sofrimento indescritível. Minha
amada. Eu daria qualquer coisa para você não estar nessa cela. Potentian
agarrou as barras que o separavam da mulher. O tempo que passara na prisão
tinha cobrado o seu preço, e ele era pele e osso. O rosto e o cabelo estava
imundos, mas para Modesta era o homem mais lindo do mundo. Ela só queria poder
tocá-lo, mas os dois estavam amarrados, e a distância entre eles na prisão
escura e húmida era grande demais.
No entanto estamos juntos, o que é
uma bênção de qualquer forma. Não tenha medo da morte, meu amor. Não podemos,
pois sabemos que não é o fim. Potentian estava desesperado. Não desista. Você é
da família do bispo Martinho de Tours. Podemos pedir a intervenção dele. Ele
pode impedir isso! Modesta suspirou, resignada. Meu bendito primo não teve
sucesso quando tentou salvar os hereges, por mais que tentasse. A Igreja já
decidiu que se quer livrar de nós, e rápido. O irmão Timóteo quer-nos mortos antes
do pôr do sol de amanhã.
E o que será da nossa Madeleine?
Ela foi poupada no massacre.
Precisei negar que era minha, tive de dizer que não era nossa filha. Graças a
Deus ela tem a cor dos seus cabelos, senão o nosso lamento seria insuportável. Ela
irá procurar meu irmão. Você sabe que ele a protegerá. E o Livro? Está a salvo?
Madeleine o escondeu por baixo da capa. Ela foi muito corajosa. A expressão de
Potentian, à luz fraca da vela, era de admiração. Ela puxou à mãe. Salvando o
Livro, salvará todos nós. Os ensinamentos d'O Caminho continuarão. Modesta
concordou e depois disse em voz alta o que estava pensando: a verdade é, mais
uma vez, salva por uma menina. Sempre foi assim e sempre será. Um grupo soturno
se reuniu no topo da colina, onde havia um cepo de madeira sobre o cadafalso,
para assistir à execução. Os dois machados encostados no bloco de madeira
estavam cruzados, formando um xis.
Lado a lado, com as mãos
amarradas para trás, Modesta e Potentian subiram a colina cercados pelos homens
fortemente armados e encapuzados que diziam para os dois andarem mais depressa.
Tinham cortado o lindo cabelo de Modesta todo desigual, para expor o seu delicado
pescoço à lâmina que ia separar a sua cabeça do corpo. Potentian olhou para
ela, com o coração cheio de amor e de tristeza. Vamos morrer como ensinamos e
como vivemos. Juntos. Modesta olhou para ele com o mesmo amor e a mesma
tristeza. E voltaremos para ensinar juntos novamente. Quando Deus quiser e o
tempo chegar. Potentian diminuiu o passo para prolongar aquele momento. Sua
mulher o acompanhou para ficarem o mais perto que podiam. Ele sussurrou o seu último
pedido: quer cantar para mim? Pela última vez? Modesta sorriu, o último
presente terreno que podia dar para o seu amado, e começou a cantar com voz
suave:
Eu te amei por muito tempo,
Jamais te esquecerei...
Eu te amei para sempre,
Deus nos fez um para o outro.
Quando Modesta acabou de cantar,
um homem musculoso com um brilho avermelhado no cabelo surgiu do meio da multidão
e se aproximou deles, com Madeleine segura nos braços. Ao ver a filha, Modesta
ficou paralisada. Potentian olhou na mesma direcção de Modesta e parou ao seu
lado. Não ousaram reconhecer a menina, mas naquele momento houve uma poderosa
troca de amor e de perda entre os três. Madeleine olhou intensamente para a mãe,
com uma sabedoria muito maior do que os seus oito anos, e meneou a cabeça. Um
leve esboço de sorriso pairou nos seus lábios. A mãe, orgulhosa e aliviada
naquele momento terrível, conseguiu retribuir o sorriso, e nessa hora um guarda
de capuz a empurrou com violência para o cadafalso. Modesta inclinou-se para o
marido e murmurou: nossos dois tesouros estão salvos». In Kathleen Mcgowan, O Livro do
Amor, O Legado de Maria Madalena, Rocco, 2009, ISBN 978-853-252-513-0.
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