O assento
perigoso. Galaaz acaba a aventura da pedra. Torneio em Camalote
«(…) Como a donzela disse as novas ao rei. Eles nisto
falando, viram vir pela ribeira uma donzela sobre um palafrém branco; e quando
chegou a eles, perguntou se estava aí Lancelote. Ele estava diante dela e disse-lhe:
donzela, que vos apraz? Disse ela: eu te trago as mais maravilhosas novas que
viste, tempo há, e não de teu prazer, mas de teu pesar; e sabe que tens teu
nome desonrado desde hoje de manhã, porque quem ontem te chamava, porque eras,
o melhor cavaleiro do mundo, te dizia a verdade; mas agora não é assim. E isto
podes bem ver por prova desta espada, porque vês que melhor cavaleiro que tu a
ganhou.
Donzela, disse ele, vós não me
dizeis nada que eu por verdade não soubesse, tempo há, porque já outra vez vi
esta espada e não ousei prová-la. E então tornou a donzela ao rei e disse-lhe
assim: rei Artur, manda-te dizer o ermitão que, neste dia de hoje, te
acontecerá a maior maravilha e honra que te nunca aconteceu. E não virá por ti,
mas por outrem. E assim que isto disse, volveu a rédea ao palafrém e voltou. E
muitos houve que quiseram mais saber dela, mas não quis ficar por rogo de
ninguém, nem dizer mais de seus feitos.
Como rei Artur fez armar o torneio
no campo de Camalote. Então disse o rei aos que estavam
perto dele: amigos, assim é que a demanda do santo Graal é sinal verdadeiro de
que ireis daqui logo; e porque sei verdadeiramente que jamais vos verei
reunidos em minha casa, como agora vejo, quero que naquele campo de Camalote
seja agora começado um torneio tal que, depois de minha morte, seja contado e
no qual hajam que referir nossos heróis. E concordaram com isso todos. E
voltaram à cidade e pediram as suas armas e armaram-se e voltaram ao campo. E o
rei não fizera isto, senão para ver alguma coisa da cavalaria de Galaaz, porque
bem sabia que não estaria muito em Camalote.
Como Galaaz justava, e como o rei
partiu para aquele torneio. Aquele dia, rogou Lancelote a seu
filho Galaaz que trouxesse armas naquele torneio com divisas da linhagem de rei
Bam. E ele o fez de muito bom grado, porque não há nada que ele receasse, que
lhe seu pai mandasse; mas não quis trazer escudo. Depois que foram reunidos no
campo de Camalote, começaram a se ferir com lanças, de modo que muitos veríeis
cair, e muitos havia que o faziam muito bem. E Galaaz, que entrou no campo,
começou as lanças a quebrar e a derrubar cavaleiros, e a fazer tantas
maravilhas, que todos diziam que nunca viram tão bom cavaleiro de justa.
Porque, sem falha, nunca ele alcançava cavaleiro hábil, por mais valente que
fosse, que o não metesse em terra; e fez disso tanto, que todos aqueles que o
viram, disseram que nunca tão altamente começara cavaleiro a derribar
cavaleiros. E bem aparecia no que naquele dia fizera, porque, de todos aqueles
que eram companheiros da távola redonda, não ficaram senão poucos que ele não
derribasse. Este torneio desta justa durou até hora de vésperas. Então mandou o
rei que parassem, porque se temia acontecer alguma desavença. E disse-lhes que
se fossem desarmar, e fez tirar o elmo a Galaaz e deu-o a Boorz de Gaunes, que
o segurasse, porque aquele era em quem tinha confiança muito grande, que sempre
fora em sua honra e em sua ajuda.
Tristão.
A Graça do Santo Graal. A Demanda
Como o
rei e os cavaleiros viram vir Tristão. Ainda o preito
não estava acabado nem decidido, quando viram vir um cavaleiro pelo fundo da
ribeira, sobre um cavalo tão bom, que poucos havia no campo melhores; e vinha
tão depressa, como se todos os diabos do inferno viessem depós ele. E não
trazia todas as armas, apenas a espada e o escudo. E o rei olhou o escudo e
mostrou-o a Lancelote, que perto dele estava, e disse-lhe: agora estou alegre e
tenho muito gosto, porque vejo aqui vir Tristão, o sobrinho de rei Mars de Cornualha,
porque bem conheço aquele escudo que não vi desde que me fez muito pesar. E
Lancelote começou a ferir o cavalo com as esporas e foi em direcção dele, e
disse-lhe, de tão longe como pôde entender que o poderia ouvir: dom Tristão,
sede bem-vindo. E Tristão; que o reconheceu, saudou-o e abraçou-o. E depois
perguntou: amigo Lancelote, é verdade que veio Galaaz, o mui bom cavaleiro, à
corte, aquele que há-de acabar o assento perigoso e há-de dar fim às aventuras
do reino de Logres?» In Manuscrito do Século XII, Heitor Magale,
A Demanda do Santo Graal, TA Queiroz, Editora da Universidade de S. Paulo,
1988, CDD 398 46, 1989, ISBN 858-500-874-1.
Cortesia
de EUSPaulo/JDACT