Com a devida vénia à doutora Maria do Carmo
Heróis ou Anti-Heróis?
A
Governação dos Áustrias em Portugal. Filipe III e a Inquisição (maldita)
«(…)
Se analisarmos com algum cuidado a política de Filipe III, facilmente nos podemos
aperceber que ocorreram profundas alterações na forma como se desenrolou o
relacionamento entre o monarca e o Tribunal do Santo Ofício (maldito) e entre aquele
e os cristãos-novos. No início do século XVII, a fazenda real, cuja última
quebra tinha ocorrido em 1596, antes da subida de Filipe III ao trono, passava
por novos apuros que culminou na bancarrota de 1607. O monarca determinou a
imposição aos navios mercantes de um novo tributo, consulado, o qual deveria ser aplicado,
exclusivamente, à defesa dos portos e do comércio marítimo. Esta decisão foi
cumprida apenas durante alguns anos, uma vez que o produto do recente imposto,
tal como já acontecera com a terça dos concelhos destinadas à reparação das
fortalezas, depressa foi consumido nas despesas urgentes. O dinheiro
arrecadava-se (...) mas os cascos apodreciam desarmados, enquanto os piratas
acoutavam os nossos mares. O erário régio exigia reformas profundas que
tardavam e o desequilíbrio aumentava. Mesmo o lançamento de um direito novo no
valor de 220 réis sobre cada moio de sal exportado veio revelar-se insuficiente
para resolver o problema financeiro. Considerando a conjuntura adequada;
No caso da Inquisição de Évora, por exemplo, em 1598, o número de sentenciados atingiu praticamente o seu pico apresentando valores muito superiores aos da Inquisição de Lisboa (maldita), cuja curva de evolução repressiva registou, durante o referido período, algumas hesitações no seu crescimento, e também mais elevados dos registados pela Inquisição de Coimbra.
a uma aceitação das suas exigências, os cristãos-novos tentaram a consciência do príncipe, prometendo-lhe avultadas quantias em troca da recuperação de imunidades que no reinado de Sebastião I lhe tinham sido concedidas e cuja revogação por parte do cardeal-rei Henrique foi confirmada por Filipe II. O desaparecimento de Filipe II e as dificuldades do tesouro nos primeiros anos do reinado de Filipe III aplanaram o caminho aos cristãos-novos. A supplica era audaz, mas a occasião favorecia os requerentes. O principal objectivo dos cristãos-novos era conseguirem, efectivamente, obter o perdão geral que havia muito procuravam alcançar e que, concedido por Clemente VII a 23 de Agosto de 1604, acabaria por ser publicado em 16 de Janeiro de 1605. Porém, até o conseguirem concretizar houve que percorrer um longo caminho, aliás iniciado ainda no reinado de Filipe II.
Assim, logo em 1598, começaram
por oferecer à Coroa 675 mil cruzados, além de lhe facultarem um empréstimo no
valor de 500 mil ducados, sem juros, a ser aplicado às naus da Índia e cujo
reembolso assentava na pimenta que as mesmas trouxessem. Tanto em Portugal como
em Castela, a disponibilidade manifestada pelos cristãos-novos para ajudar
Filipe III suscitou forte oposição. O impasse acabou por ser ultrapassado com a
proposta apresentada pelos Governadores de Portugal, em Fevereiro de 1600, na
qual o reino se comprometia a pagar um serviço de 800 mil cruzados, em
prestações anuais, como forma de indemnizar a coroa das somas que deixaria de
receber, obrigando-se o monarca, em contrapartida, a rejeitar a pretensão dos
cristãos-novos ao perdão geral. O governo castelhano aceitou a proposta mas esta
acabou por não obter a anuência do Senado da Câmara de Lisboa com base no facto
de não terem sido ouvidos os representantes das cidades e lugares do reino com assento
nas Cortes, pelo que o acordo ficou sem efeito, pelo Alvará de 30 de Outubro de
1601.
Perante as dificuldades
financeiras que teimavam em persistir, Filipe III viu-se, novamente, na
contingência de ter de procurar apoio junto dos cristãos-novos. Assim, durante
a primeira metade de 1601, a gente
de nação obteve a revogação da lei decretada por dom Henrique
e confirmada por Filipe II, que os impedia de sair do reino e de venderem os seus
bens, mediante um pagamento de 170 mil cruzados, que posteriormente passou a
200 mil, sendo-lhes, igualmente, dada permissão para se fixarem nos territórios
portugueses além-mar. Ainda nesse mesmo ano, um alvará régio de 24 de Novembro
de 1601 proibia a utilização da designação de cristão-novo, confesso, marrano
ou judeu, relativamente a qualquer descendente dos conversos, sob pena de multa
e prisão, sendo provável que a promulgação desta lei tenha sido obtida mediante
o pagamento pelos cristãos-novos de avultada quantia. Contudo, à vontade
expressa da Inquisição (maldita) sobrepunham-se
as exigências do erário régio. Os que defendiam que o perdão fosse concedido
argumentavam que era necessário organizar uma poderosa esquadra que afastasse,
definitivamente, a navegação holandesa e inglesa das costas da Índia. Nem o
dinheiro dos confiscos podia constituir solução, uma vez que o tempo escasseava
e não chegaria a tempo.
Assim,
os cristãos-novos prometiam a Filipe III um serviço voluntário de 1.700.000 cruzados,
prescindindo do pagamento de 225 mil cruzados que a fazenda devia a alguns
deles, caso o monarca conseguisse obter o perdão geral das culpas de apostasia e
judaísmo. Os cristãos-novos estavam tão apostados em garantir que as suas pretensões
fossem ouvidas que tinham, inclusivamente, distribuído benesses financeiras, no
valor de 100 mil cruzados, por diversas personagens importantes da corte madrilena,
entre as quais o próprio duque de Lerma». In Maria do Carmo T Pinto, Os Cristãos-Novos
de Elvas no reinado de João IV, Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação de
Doutoramento em História, Universidade Aberta, Lisboa, 2003.
Cortesia UAberta/JDACT
JDACT, Maria do Carmo T Pinto, História, Cultura e Conhecimento,