quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Raymond Bernard. As Mansões Secretas da Rosacruz.. «Maha me precede e nos sentamos, um frente ao outro, numa elegante mesa rectangular. Maha parece esperar que eu fale. Isso me surpreende, mas decido-me…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Amsterdão

«(…) Estranha cidade onde paira a sombra de Rembrandt, onde envelhecem sem envelhecer os históricos canais, onde o mar obstinado vem morrer contra o dique da obstinação humana, cidade de tradição que um grande mestre da Rosacruz do passado, Gustave Merinck, atravessou com as suas lembranças, jamais o fluxo cosmopolita dos negócios que a invadem apagará a história que impregna os muros veneráveis de teus bairros antigos e mesmo que, em algum dia lúgubre, a Natureza em cólera te submergisse para sempre nas ondas torturadas do adversário, o sábio perpetuaria tua lembrança no templo sagrado da secreta sabedoria! Nobre cidade que se faz tristeza para o triste, alegria para o alegre, corrente para o escravo ou liberdade para o livre, tu esposas as aspirações de teu visitante e sabes até ser decepção para o decepcionado! Oh, como eu queria que o adepto verdadeiro, do lado de cá do presente, perscrutasse a eterna presença de todos aqueles que deixaram em ti a marca da alta sabedoria, pois não reservas teus segredos apenas para o clarividente que, com um olhar, apaga o inelutável moderno para melhor ver adiante! Para mim, já eras riqueza abrindo teus cofres repletos de jóias de alquimia. Agora, és mais ainda para mim, porque doravante associo Maha à tua lembrança...

O Hotel Carlton, de Amsterdão, fica próximo do centro da cidade e dá para uma rua movimentada, do lado de arcadas cuja razão de ser nos intriga. À minha chegada, fico sabendo que, contrariamente ao que me assegurou a minha agência, nenhum quarto foi reservado em meu nome. Diante da importância do encontro marcado neste hotel, chamo a agência de Paris ao telefone. Conseguirei a ligação... Após uma hora de espera e, mal terminei, o recepcionista precipita-se na minha direcção para me informar que minha reserva foi encontrada e que um quarto estará à minha disposição…, amanhã! Como o meu encontro está marcado para as dezassete horas, não protesto, e o porteiro encontra-me facilmente um quarto para a noite no Hotel Suíço, na Kalverstraat Nem mesmo abrirei minha bagagem, tanto me apresso em voltar ao local do esperado encontro. No dia seguinte, ao meio-dia, estou instalado no Hotel Carlton e, às 16h30min, estou sentado no pequeno hall, os olhos fixados na porta que deve, daí a pouco, trazer Maha.

Ei-lo! Vejo-o transpor a grande porta envidraçada... Aí está ele diante de mim, e eu diante dele, que permanece de pé, sem me dar conta de que devia fazer um esforço para levantar-me. Como é impressionante sentir, de repente, que se está em algum lugar sem lá ainda estar, que um mundo nos cerca e que não percebemos mais nada..., mais nada, a não ser uns olhos de extrema palidez, nos quais todo o nosso ser se abandona, não para esquecer, mas para conhecer..., e viver! E esse sorriso de uma infinita bondade..., um encorajamento, um apelo à confiança, à humildade, à simplicidade! Em alguns segundos irrompem na minha consciência as impressões passadas: Lisboa... Istambul, a cripta deslumbrante. Tudo é uma coisa só. Quanto tempo dura este estado? Alguns segundos, menos ainda..., eu sei e, afinal, que me importa? Podem noções como o tempo e o espaço ter significado diante da eternidade simbolizada por esse que aí está? Ele não faz nenhum gesto e não dá o sinal que, há algum tempo, eu aguardava. Concluo que nosso encontro não se situará no plano anterior, onde tantas explicações me foram transmitidas sobre a obra do Alto Conselho, do A... Não obstante, aguardo ainda alguma nova revelação. O campo é tão vasto que só um guia esclarecido pode definir seus contornos. Mas não sinto nenhuma curiosidade especial, pois o estado transcende nosso miserável intelecto... Este lugar não convém ao propósito de nosso encontro, diz Maha após alguns instantes. Venha.

Sem uma palavra, eu o sigo. Ele avança até a extremidade da calçada, um carro pára a alguns passos e, mal nos instalamos, parte, silencioso, para o seu destino... Reconheço alguns canais, depois a Leidersplein. Atravessamos a ponte, viramos à esquerda e..., nem olho, mais, pois estou completamente perdido. Conheço bem Amsterdão, mas infinitamente menos seu subúrbio. No entanto, reconheceria a esplêndida residência que nos acolhe. Moradias como esta são raras demais para serem esquecidas. Esta não tem aspecto pesado. Fica situada no coração de um parque verdejante, cujo brilho é realçado pela densa folhagem colorida, e a sua estrutura de tijolos claros lhe confere um vínculo de parentesco com alguns edifícios do subúrbio de Londres. Andamos alguns passos do carro até um pequeno patamar, de onde se tem acesso a um amplo vestíbulo despojado: nas paredes, nenhum quadro; no ângulo oposto, um móvel chinês finamente gravado; no centro, uma mesa baixa e duas elegantes poltronas de estilo; nada mais que possa chamar particularmente a atenção. À esquerda, uma grande porta envidraçada e uma minúscula sala de visitas tão despojada quanto o vestíbulo.

Maha me precede e nos sentamos, um frente ao outro, numa elegante mesa rectangular. Maha parece esperar que eu fale. Isso me surpreende, mas decido-me: um tempo relativamente curto se passou desde o insigne privilégio que o senhor me concedeu, permitindo-me conhecer sua existência e a do Alto Conselho». In Raymond Bernard, As Mansões Secretas da Rosacruz, 2005, Editora Zéfiro, 2005, ISBN 978-972-895-8008.

Cortesia de EZéfiro/JDACT

JDACT, Raymond Bernard, Literatura, Mistério,