«Dactilografávamos cem palavras por minuto e nunca pulávamos uma sílaba sequer. Cada uma de nossas mesas idênticas era equipada com uma máquina de escrever Royal Quiet Deluxe com estojo verde, um telefone de disco Western Electric preto e uma pilha de blocos de anotação amarelos. Nossos dedos voavam pelas teclas. As batidas eram constantes. Parávamos apenas para atender o telefone ou fumar um cigarro; algumas conseguiam fazer as duas coisas sem perder o ritmo. Os homens chegavam por volta das dez. Uma a uma, eles nos chamavam aos seus escritórios. Sentávamos em cadeiras pequenas encostadas num canto enquanto eles se sentavam atrás das suas mesas enormes de mogno ou caminhavam pelo carpete falando com o tecto. Ouvíamos. Registávamos. Éramos a plateia para um dos seus memorandos, relatórios, exposições, pedidos de almoço. Às vezes eles esqueciam que estávamos ali, e descobríamos muito mais: quem estava tentando neutralizar quem, quem estava tentando obter vantagem, quem estava tendo um caso, quem estava em alta e quem estava em baixa.
Às vezes, se referiam a nós não
pelo nome, mas pela cor do cabelo ou tipo de corpo: Loirinha, Ruiva, Peitão. Também
tínhamos apelidos secretos para eles: Apalpador, Bafo de Café, Dentuço. Eles
nos chamavam de garotas, mas não éramos garotas. Chegamos à Agência após ter
estudado em Radcliffe, Vassar, Smith. Éramos as primeiras filhas de nossas famílias
a conquistar diplomas. Algumas de nós falavam mandarim. Algumas sabiam pilotar
aviões. Algumas manipulavam um Colt 1873 melhor do que John Wayne. Mas tudo o
que nos perguntaram ao sermos entrevistadas foi: sabe datilografar? Dizem que a
máquina de escrever foi feita para as mulheres, que para fazer as teclas
cantarem é necessário o toque feminino; que nossos dedos finos são adequados
para o instrumento; que, enquanto os homens reivindicam carros, bombas e
foguetes, a nossa máquina é a de escrever. Bem, não temos certeza disso. Mas o
que admitimos é que, à medida que dactilografávamos, nossos dedos foram se
tornando extensões de nossos cérebros, sem espaço entre as palavras que saíam
da boca daqueles homens, palavras que eles nos diziam para depois esquecer, e
nossas teclas pintando o papel. E, considerando isso tudo, a mecânica da coisa
toda, é quase poesia. Quase. […] In Prólogo.
Oriente 1949 – 1950. A Musa
Quando os homens de casaco preto
vieram, minha filha ofereceu-lhes chá. Os homens aceitaram, educados como se tivessem
sido convidados. Mas, quando começaram a esvaziar as gavetas da escrivaninha,
tirar livros das prateleiras, virar colchões, vasculhar armários, Ira tirou a
chaleira do fogão e colocou as xícaras e os pires de volta no armário. Quando
um homem que trazia uma caixa grande ordenou aos demais que encaixotassem
qualquer coisa que fosse útil, meu filho mais novo, Mitia, foi até à varanda,
onde mantinha a sua fêmea de ouriço. Ele a embrulhou na camisola, como se os
homens também fossem encaixotar o animal de estimação. Um dos homens, aquele
que mais tarde deixaria a sua mão descer por minhas costas enquanto me colocava
no carro preto, apoiou a mão na cabeça de Mitia e chamou-o de bom garoto.
Mitia, o doce Mitia, empurrou a mão do homem num movimento violento e se
retirou para o quarto que dividia com a irmã. Minha mãe, que estava na banheira
quando os homens chegaram, saiu vestindo apenas um roupão, o cabelo ainda
molhado, o rosto corado. Eu disse que isso ia acontecer. Eu disse que eles
viriam. Os homens revistaram as cartas que recebi de Boris, minhas anotações,
listas de compras, recortes de jornal, revistas, livros. Eu disse que isso só
traria dor, Olga.
Antes que eu pudesse responder,
um dos homens segurou o meu braço, mais como um amante do que como alguém
enviado para me prender, e, com a respiração quente no meu pescoço, disse que
era hora de irmos. Congelei. Foram necessários os berros dos meus filhos para
me trazer de volta ao presente. A porta se fechou atrás de nós, mas os gritos
deles ficaram ainda mais altos. O carro virou duas vezes à esquerda e, depois,
uma à direita. Mais uma direita. Eu não precisava olhar pela janela para saber
aonde os homens de casaco preto estavam me levando. Fiquei enjoada e disse isso
ao que estava ao meu lado, que cheirava a cebola frita e repolho. Ele abriu a
janela, uma pequena gentileza, mas o enjoo persistiu e, quando o prédio grande
de tijolos amarelos apareceu, senti a ânsia». In Lara Prescott, Os Segredos que
Guardamos, 2019, Editora Intrínseca, 2019, ISBN 978-855-100-568-2.
JDACT, Lara Prescott, Literatura,