«Comecei a ver a casa à medida que fui contornando com o carro os perigosos buracos, ainda não tapados, mesmo depois de dez anos, e cada vez mais fundos. Sacudi mais um pouco, depois parei e contemplei Pandora, achando que não era assim tão bonita, ao contrário das requintadas fotos de imóveis de classe alta que vemos em sítios que alugam por temporada. Em vez disso, ao menos vista pelos fundos, era uma casa sólida, sensata e quase austera, como sempre imaginei que teria sido seu habitante anterior. Construída com pedras locais de tom claro e quadrada como as casas de Lego que eu montava quando menino, Pandora se erguia da terra árida e pedregosa que a cercava e que, até onde a vista alcançava, estava coberta de tenras vinhas que começavam a brotar. Tentei conciliar a realidade com a imagem que eu levava na mente havia dez verões e concluí que a memória me prestara bons serviços.
Depois de estacionar o carro, contornei
as paredes maciças até à frente da casa e o terraço, que é o que coloca Pandora
acima do lugar-comum e a inclui numa espectacular categoria própria. Atravessando
o terraço, fui até à balaustrada erguida na sua borda, no ponto exacto que
antecede o início do declive suave do terreno: uma paisagem repleta de
vinhedos, uma ou outra casa pintada de branco e extensos olivais. Ao longe, uma
linha de um azul-turquesa cintilante separava a terra e o céu. Notei que o sol
dava uma verdadeira aula magna ao se pôr, penetrando com seus raios amarelos no
azul e o transformando em ocre. É interessante, pois sempre achei que a
combinação de amarelo e azul resultava em verde. Olhei à direita, para o jardim
abaixo do terraço. Os bonitos canteiros, tão cuidadosamente plantados por minha
mãe dez anos antes, não tinham sido bem tratados e, sedentos de atenção e água,
foram dominados pela terra árida e suplantados por um mato feio e espinhoso.
Mas ali, no centro do jardim,
tendo ainda presa a ela uma ponta da rede em que a mãe costumava se deitar, as
cordas parecendo espaguete velho e esfiapado, erguia-se a velha oliveira. Velha
foi o apelido que lhe dei na época, por ter sido informado pelos adultos que me
cercavam de que ela o era. De
facto, enquanto tudo ao redor morrera e fermentara, ela parecia haver crescido
em estatura e majestade, talvez roubando a força vital dos seus vizinhos
botânicos depauperados, decidida, ao longo de séculos, a sobreviver. Era muito
bonita: uma vitória metafórica sobre a adversidade, com cada milímetro do
tronco nodoso a exibir orgulhosamente a sua luta. Eu me perguntei porque os
seres humanos odeiam o mapa da sua vida que transparece no próprio corpo,
enquanto uma árvore como essa, ou uma pintura desbotada, ou uma construção
desabitada, quase em ruínas, são enaltecidas pela sua antiguidade.
Pensando nisso, me voltei para a
casa e fiquei aliviado ao ver que, pelo menos por fora, Pandora parecia ter
sobrevivido ao seu abandono recente. Na entrada principal, tirei do bolso a
chave de ferro e abri a porta. Ao percorrer os cómodos na penumbra, protegidos
da luz pelas venezianas cerradas, percebi que minhas emoções estavam
entorpecidas, e talvez fosse melhor assim. Não me atrevi a começar a sentir
coisas, porque esse lugar, talvez mais do que qualquer outro, guarda a essência
dela... Meia hora depois, eu já
tinha aberto as janelas do térreo e tirado os lençóis de cima dos móveis do
salão. Parado numa bruma de partículas de poeira que captavam a luz do sol
poente, lembrei-me de ter pensado, na primeira vez em que vi a casa, que tudo
parecia muito velho. E me perguntei, ao olhar para as poltronas afundadas e o
sofá puído, se, tal como a oliveira, o velho e ultrapassado em certo ponto se
torna simplesmente velho, sem continuar a envelhecer de modo visível, como os
avós grisalhos para uma criança pequena». In Lucinda Riley, O Segredo de Helena, 2016,
Editora IN, 2018, ISBN 978-989-776-064-8.
Cortesia de EIN/JDACT
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