«(…) Sem dúvida, a irritação de Norbury agora era motivada por Kyle. É típico dele. Concorda em dividir uma de nossas propriedades em pequenos lotes para satisfazer seus amigos arrivistas e depois se preocupa com o futuro do velho solar. Nunca o usamos, então porque se preocupar? Quero que construa mais uma casa aqui. Será a melhor e a mais cara do local. Kyle não queria discutir, mas viu que seria obrigado. Norbury não entendia nada sobre loteamento de terras. Não sabia dizer qual a melhor área, muito menos os valores que seriam acertados. A família dele forneceria apenas o terreno e lucraria bastante. Os únicos riscos seriam assumidos por Kyle e pelos outros investidores do grupo que construiria aquelas casas e estradas. Talvez considere insensatas as vontades de seu pai, mas não perdemos nada em atendê-las. Os compradores não gostariam de ter vista para o solar, da mesma forma que a sua família não gostaria de ver a casa dos compradores. Além disso, para construí-la, teremos que dar continuidade a esta estrada aqui, que atravessaria mais dois lotes e reduziria o valor deles. Norbury olhou o dedo de Kyle percorrer o mapa. Não gostava de estar errado. Nenhum homem gostava. Bom, Kyle, suponho que vá funcionar do jeito que está, disse, por fim. Aquilo soou como se o visconde concordasse, mas Kyle sabia que cada palavra tivera um motivo para ser usada. Do jeito que está dava a entender que poderia ter ficado melhor. Suponho, era um lorde dando sua aprovação de má vontade. E chamá-lo de Kyle tinha sido a escolha de palavras mais condescendente de todas. Os dois se conheciam muito bem. Tinham-se encontrado muitas vezes na vida, desde meninos. Mas, mesmo se um gostasse do outro, o que não era o caso, as origens bem diversas e uma antiga hostilidade mostravam que jamais seriam amigos. Norbury se esforçava para que não ocorressem suposições erradas quanto a isso. A forma de tratamento era uma maneira de colocar o arrivista no seu lugar, que era bem abaixo do conde de Cottington ou do visconde de Norbury. Evidentemente, Kyle não podia retribuir aquela informalidade.
Vejamos o projecto das casas, sugeriu Norbury. Usar o verbo no
plural era mais uma forma de arrogância. Kyle desenrolou vários projectos.
Levando em conta o humor de Norbury, concluiu que sua suspeita estivesse certa.
Alguém na sala de visitas tinha atingido o orgulho do anfitrião. Isso não era
difícil. Norbury tinha um jeito jovial na maior parte do tempo, mas era
temperamental às vezes. E também não era muito inteligente. De vez em quando
era preciso mostrar-lhe o óbvio, como os problemas em lotear aquela parte do
terreno. Infelizmente, Norbury podia se tornar mesquinho quando percebia que
tinha sido idiota ou tolo. O clima ficou mais amistoso quando discutiram a
localização dos cómodos e quantos quartos de empregados as casas deveriam ter.
Kyle fingiu concordar quando Norbury disse que qualquer pessoa precisava de uma
dúzia de criados para ter o mínimo de conforto. Invejo esse seu talento,
admitiu Norbury com um suspiro, apontando para um dos projectos. Eu deveria ter
estudado isso. Se não fosse a minha origem, talvez o mundo hoje tivesse outro
arquitecto do porte de Christopher Wren. Mas tenho obrigações a cumprir, não é?
Mesmo sem achar graça, Kyle sorriu enquanto enrolava os projectos. Então nos
vemos em Londres, como combinado. Levarei os projectos finais para a nossa
reunião. Imagino que teremos uma longa tarde. Até lá, receberemos notícias da
França a respeito de Longworth e o grupo fará uma primeira reunião para decidir
o nosso posicionamento. Espero que terminemos logo com isso. É um obstáculo. Fique
tranquilo, haverá justiça. Estamos todos empenhados. Num momento de gentileza,
que ocorria de vez em quando, Norbury o ajudou a amarrar os projectos com fitas».
In
Madeline Hunter, Jogos do Prazer, 2008, Editora Arqueiro, 2014, ISBN
978-858-041-244-4.
Cortesia de EArqueiro/JDACT
JDACT, Madeline Hunter, Literatura,